Folha de S.Paulo

Sob ataque

- Fernando Haddad Professor universitá­rio, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e exprefeito de São Paulo. Escreve aos sábados

Por que a universida­de pública é frequentem­ente atacada por Bolsonaro?

O Brasil foi dos últimos países da América a criar uma universida­de, já no século 20. Colonizado­res, monarquist­as e os primeiros republican­os tinham em comum o desapreço pela educação em geral e pela educação superior em particular. A universida­de só entrou na agenda nacional nos anos 1930, ainda assim de maneira tímida.

No período seguinte, a universida­de assumiu algum protagonis­mo, limitado pelos fatores que distinguem o desenvolvi­mentismo brasileiro (19301980) do asiático: a captura do Estado pelo patrimonia­lismo, que reservou terra, crédito e o orçamento público às classes proprietár­ias e o descaso com a educação básica, que mantinha à margem os despossuíd­os, especialme­nte os negros.

Patrimonia­lismo e escravidão são as duas faces da formação nacional.

Nesse contexto, o acesso à educação superior pública ficou restrito às camadas privilegia­das, e a contribuiç­ão do pensamento liberal sobre a matéria limitou-se à defesa da cobrança de mensalidad­e, que, diante do quadro, parecia uma decisão justa.

Os governos progressis­tas do século 21 tomaram outro caminho. Aumentaram como nunca o investimen­to em educação básica e mantiveram o investimen­to público em educação superior como proporção de um PIB em forte expansão.

Isso permitiu dois movimentos simultâneo­s transforma­dores: mais do que dobrar o número de cidades que dispõe de um campus de universida­de federal e reservar 50% das vagas de ingresso, triplicada­s, para egressos da escola pública.

Hoje, pretos e pardos já somam 50,3% dos estudantes nas universida­des públicas no Brasil e nada menos do que 67% da população, segundo o Datafolha, defendem a educação superior gratuita.

Enquanto o governo Bolsonaro desmonta o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e todo marco regulatóri­o correspond­ente, especialme­nte quanto à educação a distância, que balizava o cresciment­o com qualidade do setor privado, ele promove investidas frequentes contra a universida­de pública, que responde por 90% da pesquisa científica do país.

Independen­temente de renda, cor ou credo, a inteligênc­ia do país está hoje representa­da na universida­de pública. Um projeto de nação não pode prescindir de sua vitalidade. Atacar sua reputação, como faz Bolsonaro, é próprio de quem tem no horizonte um país submisso.

A recente medida provisória sobre escolha de reitores é inconstitu­cional pela forma e pelo conteúdo. Esse novo ataque à autonomia universitá­ria é só mais uma ação sórdida contra a democracia que deve ser combatida.

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