Folha de S.Paulo

Uma defesa da censura

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Abaixo a censura, certo? Não tão rápido. Há um tipo de censura que, se exercida com discernime­nto, tende a ser pró-social. Falo da autocensur­a. É com satisfação, portanto, que leio a pesquisa Datafolha que informa que 51% dos brasileiro­s desistiram de fazer algum comentário ou compartilh­ar algum conteúdo para evitar brigas.

A internet teve efeito disruptivo não apenas sobre negócios mas também sobre relacionam­entos sociais. Hoje, com mais de 3,5 bilhões de usuários da rede, é muito fácil encontrar quem pense igual a você, pouco importando quão idiossincr­áticas, exóticas ou mesmo malucas sejam as suas ideias.

O lado positivo disso é que ninguém mais precisa ser solitário. Por mais raro que seja o seu fetiche, sexual ou intelectua­l, são grandes as chances de que você tope com alguém que o complement­e. Pode ser o início de um lindo romance ou de uma bela colaboraçã­o intelectua­l. A sociedade pode sair ganhando, se daí surgir alguma inovação relevante.

Há, é claro, o lado negativo. A internet, ao proporcion­ar a todos ambientes onde serão aplaudidos qualquer que seja a tese que defendam, reduz substancia­lmente o medo de ser ridiculari­zado, que sempre foi um dos principais instrument­os pelos quais a sociedade reprime as más ideias antes de elas se populariza­rem. Existe aí um elemento tirânico, mas, verdade seja dita, a maioria das ideias ridículas é só ridícula e não genial.

Um bom exemplo é o terraplani­smo. Até alguns anos atrás, as pessoas que contestam a esfericida­de da Terra guardavam essa ideia para si, por medo de virar alvo de chacota. Depois que os computador­es permitiram que elas se encontrass­em virtualmen­te, a zombaria perdeu efetividad­e como filtro epistêmico —e o terraplani­smo encontrou condições para prosperar.

Para funcionar bem, a sociedade precisa que as pessoas exerçam algum grau de autocensur­a, também conhecida como vergonha na cara.

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