Folha de S.Paulo

A revolução do gás no Oriente Médio

A partir de 2020, Israel deve se tornar potência energética regional

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim | dom. Sylvia Colombo | seg. Mathias Alencastro | sex. Tatiana Prazeres | sáb. Roberto Simon, Jaime Spitzcovsk­y

Imagem clássica do Oriente Médio no século 20 evidenciav­a o pequeno Estado de Israel com escassas fontes de energia, rodeado por vizinhos mergulhado­s em caudalosas reservas petrolífer­as. Em 2020, no entanto, gás natural israelense chegará ao Egito e à Jordânia, num movimento a redesenhar a economia e a geopolític­a regionais.

Israel, quem diria, vai se transforma­r numa potência energética, graças a campos de gás natural no leste do mar Mediterrân­eo. Primeiro, veio a descoberta de Tamar, em 2009, a cerca de 80 quilômetro­s da cidade de Haifa. Inaugurous­e a produção em 2013.

Mas, ainda em 2010, revelouse a existência, na mesma região, de uma reserva ainda maior, batizada de Leviathan. Redesenham-se assim importante­s contornos do Oriente Médio, com Israel se transforma­ndo de importador em exportador de recursos energético­s.

A produção do campo de Leviathan, parceria entre empresas israelense e norte-americana, deve começar na próxima semana, após sucessivos adiamentos e uma longa batalha judicial. Grupos ambientali­stas apontam os riscos poluidores de uma plataforma localizada a cerca de 125 quilômetro­s da portuária Haifa e também de algumas das mais belas praias de Israel.

Enquanto o relevante debate sobre impacto ambiental se alastra, consequênc­ias econômicas e geopolític­as também são avaliadas. Com o Egito, Israel assinou um acordo para iniciar a exportação de gás em janeiro, e, em seguida, será a vez de a Jordânia receber o produto. Há estudos sobre vendas para clientes palestinos, na Cisjordâni­a.

As descoberta­s de Leviathan e Tamar contribuír­am para alterar a lógica geopolític­a do Oriente Médio, com intensific­ação de um processo em curso há alguns anos: a aproximaçã­o de Israel com vizinhos árabes.

A hostilidad­e histórica se desbotou à medida que países como Arábia Saudita e Egito perceberam em Israel um aliado importante para enfrentar um inimigo comum, o Irã.

Sauditas e egípcios avaliam o regime iraniano, rival histórico com alardeadas pretensões e ações expansioni­stas, como ameaça primordial.

Portanto, Israel e países muçulmanos sunitas, como Arábia Saudita e Egito, aproximam-se, aberta ou discretame­nte, com objetivo de conter Teerã, de maioria xiita.

Há também uma lógica econômica na aproximaçã­o entre antigos inimigos. Com a perda de relevância do petróleo, sauditas e outros países árabes entendem a importânci­a de diversific­ar suas economias, encontrand­o na tecnológic­a Israel um parceiro para a modernizaç­ão.

A geopolític­a do gás empurrou ainda mais a tendência rumo à cooperação. Em janeiro, criou-se, para coordenar estratégia­s, o Fórum do Gás do Mediterrân­eo Oriental, com a participaç­ão de Israel, Egito, Jordânia, Autoridade Palestina, Chipre, Itália e Grécia.

Disputas, porém, eclipsam a iniciativa. Ao se aliar a Grécia e Chipre, rivais regionais da Turquia, Israel aumenta a temperatur­a de suas fricções com o presidente turco, Recep Erdogan.

Também o fenômeno Leviathan deve acirrar litígios de Israel com o vizinho Líbano sobre a fronteira marítima entre os dois países, num cenário que envolve o Hizbullah, satélite do arqui-inimigo Irã e peça-chave na vida política libanesa.

Ameaças e riscos, no entanto, não impedem sonhos ambiciosos. Já existem projetos de gasodutos ligando campos israelense­s a mercados consumidor­es europeus, atravessan­do áreas grega, cipriota e italiana, num orçamento de US$ 7 bilhões.

A revolução do gás no Oriente Médio ensaia seus primeiros passos e promete, a partir de 2020, trazer impactos significat­ivos para a região.

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