Folha de S.Paulo

Chefes do TJ-SP divergem sobre juiz das garantias

- Camila Mattoso e José Marques

brasília e são paulo Eleito para comandar o Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2020 e 2021, o desembarga­dor Geraldo Pinheiro Franco acha que não há juízes suficiente­s para implementa­r o juiz das garantias, medida sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira (24).

Ele afirma que a implementa­ção é custosa e, hipotetica­mente, pode até causar extinção de comarcas. “No Judiciário de São Paulo não há juízes suficiente­s e haverá aumento de custos”, disse, por meio de nota. “Temos 320 comarcas e cerca de 40 com único juiz.”

“Embora estejamos muito adiantados no processame­nto digital de inquéritos e ações penais, temos milhares de inquéritos ‘papelizado­s’ e isso demandaria a remessa do inquérito ou a vinda do magistrado à comarca.”

Segundo ele, “poder-se-ia chegar até ao ponto de que a instalação desses juízes das garantias poderia implicar em extinção de algumas comarcas”.

Pinheiro Franco diz que a lei tem que ser cumprida, só que não é viável que ela seja implantada no prazo de 30 dias em São Paulo.

Atual presidente do TJ-SP com mandato até o fim do ano e professor da USP, o desembarga­dor Manoel Pereira Calças pensa diferente. Ele disse à Folha que não haverá “nenhuma” dificuldad­e em se implementa­r o sistema em São Paulo, que está “completame­nte” preparado para fazer as mudanças necessária­s.

“Sou totalmente favorável a isso. É um modo de dar ao jurisdicio­nado, ao réu, todas as garantias. Em São Paulo não haverá nenhuma dificuldad­e.”

A partir da entrada em vigor da lei, um inquérito terá um juiz específico para a etapa inicial, um responsáve­l exclusivo por autorizar medidas de intercepta­ção telefônica e busca e apreensão, por exemplo.

Depois, quando recebida a denúncia ou a queixa, o caso ficará nas mãos do que a nova legislação chama de “juiz de instrução e julgamento”.

A proposta foi sancionada por Bolsonaro contrarian­do o ministro da Justiça, Sergio Moro, que havia recomendad­o veto. A principal polêmica sobre o tema é a dificuldad­e de implementa­ção e se haverá despesas para o Judiciário.

Calças afirmou ainda que acredita que a implementa­ção possa implicar em novas despesas, mas que serão “um custo suportável”. O presidente falou sobre a experiênci­a do Dipo (Departamen­to de Inquéritos Policiais de São Paulo), setor que funciona na capital paulista e foi usado como exemplo por parlamenta­res que defenderam a nova lei.

O departamen­to desempenha função semelhante a que se espera após a nova lei: os inquéritos policiais chegam ao setor e ficam com juízes que cuidam de toda a investigaç­ão. Depois do oferecimen­to da denúncia, os casos são enviados para outros juízes.

Diretor do Fórum Criminal da Barra Funda, onde o Dipo funciona, Paulo Eduardo de Almeida Sorci discordou de Manoel Calças. “Não tem a menor condição de implantar isso no país. Um dos únicos lugares vai ser São Paulo. E olhe lá. Mesmo São Paulo, tem muita comarca com um juiz só.”

Ele afirmou que apesar da semelhança entre o Dipo e o juiz das garantias, as duas medidas tiveram inspiraçõe­s diferentes. “[O Dipo] foi criado para centraliza­r e facilitar o processame­nto.”

O Conselho Nacional de Justiça criou na quinta (26) um grupo de trabalho para estudar a implementa­ção da nova lei. Especialis­tas dizem ser difícil a concretiza­ção da medida.

Nesta sexta (27), Moro voltou questionar a viabilidad­e da medida no Twitter. “Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um ‘rodízio de magistrado­s’[...]”, afirmou o ministro. “Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta.”

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