Folha de S.Paulo

COZINHA BRUTA

Cléberton, chef de cozinha e cidadão de bem

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Cléberton só faz comida top.

Cléberton é chef de cozinha. Nunca trabalhou em restaurant­e, o que pouco importa. Cansou de ser despachant­e e foi fazer gastronomi­a. Assim que saiu da facul, participou de um reality show.

Cléberton pegou a sétima colocação entre os oito competidor­es —foi eliminado porque deixou a maionese desandar. Musculoso, tatuado e desbocado, Cléberton virou celebridad­e.

Cléberton também é social influencer. No seu Instagram, divulga caldo de carne, tempero pronto, óleo de canola, molho enlatado, biscoito recheado, margarina e o escambau. Às vezes ganha um cachê, outras vezes faz parceria com o anunciante. A despensa de Cléberton está abarrotada de macarrão instantâne­o de uma empresa parceira.

Cléberton tem centenas de milhares de seguidores. Ele dá palestras, comanda workshops e faz jantares para grupos fechados VIP. Pretende montar um curso de hambúrguer on-line. Cléberton faz um bom dinheiro sem precisar cozinhar muita coisa.

Cléberton gosta de rock, de motociclet­as, de cerveja artesanal e de barbearias gourmet. Gosta de falar palavrão, de olhar as bundas que passam e de esculachar as bichas.

Cléberton é um homem de família. Um homem de bem. Não admite que avacalhem sua religião —Cléberton é católico apostólico romano—, muito menos que brinquem com a santidade da mamãe, dona Clélia.

Cléberton não anda sem o escapulári­o que a mãe lhe deu. Só o tira na hora de pegar as vagabundas do Insta.

Cléberton tem um casal de filhos, Enzo Cléberton e Clélia Valentina. O menino tem 7 anos e deu para gostar de Barbie. Cléberton já cuidou disso: matriculou Enzo no jiu-jítsu, no crossfit e no rúgbi. A menina tem 4 anos e ainda não aprendeu a falar.

Cléberton, os filhos, a mulher Clotilde e dona Clélia moram em um espaçoso apartament­o em Alphaville. Ele tem também um espaçoso apartament­o na Riviera. Cleide, a babá das crianças, é quem cuida de recolher o cocô dos dois cachorros —o mastim napolitano Benito e o fila Emílio Garrastazu.

Cléberton gosta de burrata, de óleo trufado, de ouro comestível, de água mineral norueguesa e de um bom churrasco de kobe beef. Cléberton prepara a picanha de kobe na varanda gourmet e corta a carne sobre uma tábua de puro sal rosa do Himalaia. Os parças piram.

Cléberton adora facas de cozinha. Coleciona facas, punhais, estrelas-ninjas, socosingle­ses e nunchakus. Acredita que todo cidadão trabalhado­r deveria ter o direito de ter armas para autodefesa. Enquanto o porte não sai, Cléberton anda com a pistola de numeração raspada que o tio Cleiton —comandante de um batalhão da PM— conseguiu em uma operação.

Cléberton crê em ordem, em progresso, na pátria, na família tradiciona­l e na disciplina militar. Acha a hipótese da Terra plana mais plausível do que a social-democracia. Cléberton aposta que o Brasil despontará como uma potência conservado­ra no ano que entra.

É uma pena que Cléberton nunca tenha aprendido a picar cebola.

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