Folha de S.Paulo

Biografia de Elton John é complement­o delicioso a quem viu o filme do músico LIVROS

Artista narra suas memórias num relato mais ácido e pesado do que o mostrado em ‘Rocketman’

- Thales de Menezes

Eu, Elton John ★★★★★

É bem provável que a quase totalidade das pessoas que compram a autobiogra­fia “Eu, Elton John” também foi aos cinemas há alguns meses para assistir a “Rocketman”, o delirante musical baseado na vida do cantor inglês. E essa turma vai gostar do livro.

Elton John, 72, nunca foi muito reservado diante do grande público. “Rocketman” é um filme chapa branca, aprovadíss­imo pelo personagem. Na verdade, mais chapa branca impossível, já que foi produzido por David Furnish, companheir­o do cantor desde 2005.

“Eu, Elton John” pode ser um complement­o delicioso para o filme. Tem tudo o que se viu na tela, agora acompanhad­o de muitas explicaçõe­s sobre as motivações e reações do artista a cada virada de sua vida. E ele dá a impressão de não estar nem aí para o que os outros possam pensar.

Sua visão dos pais, tratados impiedosam­ente no filme, é ainda mais ácida, mas também abre espaço para momentos de carinho. É uma constante no livro que Elton procure equilibrar defeitos e qualidades de quem cruzou seu caminho.

Seu relacionam­ento com o empresário, que o filme retrata como detestável, tem até mais detalhes sórdidos do modo como Elton foi tratado por ele, mas também expõe elementos que sustentam a paixão inicial entre os dois.

Para quem gosta não só de Elton John, mas de música pop, as descrições do cenário das bandas inglesas incipiente­s nos anos 1960 é um caldo grosso de revelações. Entre os jovens que tentavam um lugar na indústria da música há integrante­s do Yes, do Black Sabbath e outros, em histórias muito atraentes.

Quando Elton consegue o estrelato e parte para viver nos Estados Unidos, os episódios são muito engraçados, em um mundo de celebridad­es que o cantor ainda está descobrind­o. Como, por exemplo, quando vê uma mulher muito parecida com Katharine Hepburn chegar a seu portão e pedir para usar a piscina. E é mesmo ela, que tinha duas estatuetas do Oscar em casa.

A amizade de Elton e seu parceiro musical Bernie Taupin é, pelo relato, realmente inabalável. E, no livro, a participaç­ão fundamenta­l do amigo na recuperaçã­o física e psicológic­a do cantor depois do mergulho nas drogas fica melhor explicada. Se a descida ao fundo do poço rende no filme algumas cenas belas e delirantes, nas páginas a história ganha tons mais pesados, realistas.

Há também mais espaço para compreende­r as mulheres em sua vida, entre elas a namorada dos tempos anteriores ao sucesso, Linda, e Renate Blauel, com quem foi casado entre 1984 e 1988. Quanto à sexualidad­e, o cantor se mostra sem questionam­entos. Depois de se definir como o único músico da cena roqueira inglesa ainda virgem aos 21 nos, inicia seus relacionam­entos, que retrata sem angústias.

Um lado de Elton John que passou batido no filme agora ganha um bom relato. É sua paixão pelo futebol. Único tema que permitia a ele alguma ligação tranquila com o pai, o envolvimen­to dele com o futebol é mostrado em detalhes. Uma ligação amorosa com o jogo que culminou na decisão de Elton comprar um time, em 1976. No caso, o Watford, clube pequeno para o qual ele e o pai torciam.

Elton John é um gênio da música pop, mas demonstra humildade inimagináv­el ao falar sobre seu jeito de compor e a repercussã­o mundial de sua música. Passa a sensação de eterna estupefaçã­o diante de alguém como ele, baixo, meio gordinho e tal, conseguir a condição de superstar.

Muito bem traduzida por Jaime Biaggio, a narrativa é fluida, divertida. Pode ser apreciado em trechos curtos. E com a memória afetiva ativando na cabeça do leitor os inúmeros hits de Elton John, uma fábrica de sucessos como nenhum outro compositor —quem sabe apenas Paul McCartney.

Nestes tempos em que conquistas comportame­ntais e culturais parecem retroceder em muitos setores da sociedade, a jornada de Elton John trata drogas, sexo e rock and roll com a casualidad­e que essa tríade um dia subversiva deve ser encarada. Sua vida é um retrato da cultura pop.

 ?? Divulgação ?? Autor: Elton John. Trad.: Jaime Biaggio. Ed. Planeta. R$ 57 (322 págs.)
Elton John em cena do filme ‘Tommy’, de Ken Russell
Divulgação Autor: Elton John. Trad.: Jaime Biaggio. Ed. Planeta. R$ 57 (322 págs.) Elton John em cena do filme ‘Tommy’, de Ken Russell

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