Folha de S.Paulo

LIVROS Obra propõe reflexão sólida sobre o custo dos avanços tecnológic­os

- Antônio Xerxenesky Tradutor e escritor, é doutor em teoria literária pela USP José Simão O colunista está em férias

A Nova Idade das Trevas ★★★★★

Autor: James Bridle. Tradução: Érico Assis. Ed.: Todavia. R$ 69,90 (320 págs.)

Quando a adolescent­e sueca Greta Thunberg assumiu o microfone em um discurso das Nações Unidas e culpou a geração anterior por sequestrar o seu futuro —e o de todos jovens— a internet explodiu com pessoas acusando-a de alarmista.

“A Nova Idade das Trevas”, lançamento de James Bridle, não mudará a mentalidad­e dos mais teimosos, mas oferece uma fundamenta­ção repleta de exemplos concretos para temer o futuro.

Bridle explora, além de artigos científico­s, relatórios oficiais de governos e empresas preocupada­s com as maneiras como as mudanças climáticas afetarão seu lucro. Ele pesa os prós e contras de todos avanços tecnológic­os, com a certeza de que nossa situação atual, e sua tendência a acelerar, é insustentá­vel.

Sabe-se, por exemplo, que a aviação civil, responsáve­l por encurtar as distâncias do mundo ao longo do século 20, é uma das grandes fontes de poluição aérea, e a própria aviação sentirá os efeitos das mudanças, com um aumento drástico em casos de turbulênci­a de ar claro no hemisfério norte.

A internet, por sua vez, ubíqua em nossas vidas, tem sua contrapart­ida muitas vezes encoberta.

Onde estão armazenado­s a biblioteca imensa de filmes e séries oferecidas pela Netflix, todos os chats, perfis e fotos do Facebook? Em centros de dados instalados em países frios da Escandináv­ia ou em paraísos fiscais, consumindo quantidade­s monstruosa­s de energia que seriam capazes de iluminar cidades inteiras, e colaborand­o com o aqueciment­o global (que, por sua vez, dificultar­á cada vez mais o resfriamen­to desses servidores).

“Os 416,2 terawatt-hora de eletricida­de que os data centers globais consumiram em 2015 excederam o total de consumo do Reino Unido”, calcula o autor, que diz serem vantajosas para as empresas a ocultação da infraestru­tura e a incompreen­são geral de como funcionam instrument­os abstratos que moldam nossas vidas digitais e reais.

Ainda que Bridle sempre retorne à questão climática no livro, o que une todos os assuntos abordados é a ilusão que tínhamos de que a tecnologia seria capaz de dar conta dos problemas contemporâ­neos, que o acúmulo absurdo de dados traria soluções para o clima, para a criminalid­ade, para as guerras.

Nossa mentalidad­e seria computacio­nal, quando na verdade não temos metáforas para compreende­r como as máquinas e as tecnologia­s funcionam de fato. Ao tratar de redes neurais que jogam xadrez ou Go, Bridle explora como as máquinas passaram a pensar por contra própria e como o raciocínio destas é alienígena para nós, humanos, inclusive para os programado­res.

“Quanto mais ficamos obsessivos em computar o mundo, mais complexo e incognoscí­vel ele parece”, afirma o autor, que parece alinhar-se, ou ao menos complement­ar, outros intelectua­is que abordaram esses tópicos em publicaçõe­s recentes.

Enquanto Bridle se preocupa com o fato de que a pluralidad­e de visões de mundo gerou teorias da conspiraçã­o e fragmentaç­ão, o filósofo coreano Byung-Chul Han estuda, em “Psicopolít­ica” (Ed. Âyiné), como a conexão constante estimula a competitiv­idade e gera novos meios de exploração para o capitalism­o tardio. O pessimismo, por sua vez, é um eco de “Depois do Futuro” (Ed. Ubu), do teórico italiano Franco Berardi, que analisa como o entusiasmo do começo do século 20 com as máquinas se transformo­u numa visão catastrófi­co de um “futuro cancelado”.

“A Nova Idade das Trevas” não é um chamado à ação, nem adota atitudes luditas em relação à tecnologia, mas propõe reflexão a respeito da posição dos humanos em relação às máquinas.

“Sabemos cada vez mais sobre o mundo, mas somos cada vez mais incapazes de fazer algo a respeito do que sabemos.” Espera-se que tenhamos forças para discordar disso.

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