Questionado e popular, Moro vive pressão inédita
Presidente cita ex-juiz como opção para 2022, apesar de ignorar orientações e derrubar status de ‘superministro’
Exposto a pressões políticas que não sofria quando era o juiz, Sergio Moro (Justiça) viveu 2019 sob questionamento inédito. Criticado pelas conversas vazadas dos tempos em que liderava a Lava Jato, e também no Congresso, ele se mantém o mais popular ministro.
brasília Sergio Moro migrou em 2019 para o papel que seus adversários dizem que ele sempre exerceu, o de político.
O saldo ao final do primeiro ano como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro reúne derrotas, a perda do status de “superministro”, a revelação de indícios de conduta parcial como juiz da Lava Jato e ouvidos moucos a suspeitas de corrupção em torno de integrantes do governo. Mas, apesar de tudo isso, a manutenção de uma popularidade que o coloca, segundo o próprio chefe, como forte opção à sua sucessão em 2022.
“O Moro tem um potencial enorme. Ele é adorado no Brasil. Pessoal fala que ele deve encarar como presidente. Se o Moro vier, que seja feliz, não tem problema, vai estar em boas mãos o Brasil”, disse Bolsonaro na última quintafeira (26). Ele já citou Moro como um vice que tornaria a chapa de ambos “imbatível”.
O ex-juiz da Lava Jato acabou de ser eleito pelo jornal britânico Financial Times como uma das 50 personalidades mundiais que moldaram os anos de 2010. Ele é o único brasileiro nessa lista.
E também é o ministro mais bem avaliado do governo, segundo o Datafolha —53% dos que dizem conhecê-lo consideram seu trabalho bom ou ótimo, 17 pontos percentuais a mais dos que avaliam positivamente o governo Bolsonaro.
Em junho, a Folha e outros veículos de comunicação começaram a publicar a análise feita com o site The Intercept Brasil do vasto material recebido após o vazamento das mensagens trocadas por integrantes da Lava Jato no aplicativo Telegram.
Em vários pontos, as mensagens indicam alinhamento entre o Ministério Público, responsável pela acusação, e o juiz —autor da condenação que, após confirmação das instâncias superiores, mandou para a cadeia e tirou da disputa eleitoral de 2018 o ex-presidente Lula (PT).
Moro sempre negou ter agido de forma parcial na Lava Jato, ressaltando a confirmação pelas instâncias superiores da maioria de suas sentenças. Ele diz ainda não reconhecer a autenticidade dos diálogos vazados e diz que, mesmo que eles sejam verdadeiros, não caracterizam nenhum desvio de conduta.
As conversas obtidas pelo The Intercept não foram a única dor de cabeça de Moro.
Logo no início da gestão ele teve ignoradas recomendações sobre a aplicação de uma das principais bandeiras de campanha de Bolsonaro, o afrouxamento das regras para o porte e a posse de armas no Brasil. Embora tenha saído do seu ministério, o texto nunca foi bancado de fato por Moro.
A sua bandeira pública anticorrupção também foi colocada à prova quando a Folha revelou a existência de um esquema de candidaturas laranjas patrocinado pelo então partido de Bolsonaro, o PSL, em Pernambuco e Minas Gerais —neste estado, a sigla era comandada à época pelo atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, na época da transição, Moro havia dito que não assumiria o papel de ministro da Justiça com risco de comprometer sua biografia. “E isso foi objeto de discussão e a afirmação do senhor presidente eleito, que ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do governo”, afirmou, à época.
Com a eclosão do escândalo das candidaturas de laranjas do PSL e a manutenção de Álvaro Antônio no ministério por Bolsonaro, Moro passou a adotar o discurso de que não faria o papel de ministro da Justiça de outros governos, que atuaram como advogados do presidente e de colegas —apesar disso, chegou a se manifestar publicamente em defesa de Bolsonaro após a Folha publicar reportagem mostrando haver documentos e depoimento levantando a suspeita de caixa dois na campanha do presidente.
Ainda na questão da corrupção, Moro conviveu em 2019 com as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro que apontam a existência de um esquema de desvio de dinheiro público por meio de funcionários fantasmas e “rachadinhas” (devolução, por assessores, de parte ou a totalidade do salário) em gabinetes da família Bolsonaro, em especial o de Flávio, então deputado estadual e hoje senador.
As suspeitas em torno do caso, cujo pivô é Fabrício Queiroz, amigo de longa data da família, levaram a defesa de Flávio a conseguir uma liminar no Supremo Tribunal Federal que paralisou por cerca de cinco meses investigações envolvendo dados detalhados do antigo Coaf, o órgão de controle de atividades financeiras.
A suspensão determinada por Dias Toffoli, presidente do STF, foi motivo de desentendimento entre Moro e Bolsonaro, em um dos momentos mais tensos do ano. O ex-juiz se mobilizou para reverter a decisão, o que irritou o presidente.
Antes disso, o órgão já era razão de outros desgastes. Embora não tenha sido sua ideia, o ministro da Justiça encampou o projeto de colocá-lo sob seu comando, com o argumento de que no seu guarda-chuva o funcionamento seria mais dinâmico, auxiliando ainda mais investigações em andamento.
A resistência do Congresso, no entanto, acabou levando Bolsonaro a manejá-lo, primeiro, de volta à Economia e, depois, para o Banco Central.
O nome escolhido por Moro para o Coaf, o do auditor Roberto Leonel, um de seus principais aliados na Lava Jato, também foi trocado por outro, escolhido pela equipe econômica e de agrado da maior parte do mundo político.
Moro assumiu com uma prometida “carta branca” de Bolsonaro para agir e montar equipes, mas em diversos casos essa realidade não se concretizou. Em agosto, Bolsonaro quase atropelou a escolha da Polícia Federal para o comando de superintendências estaduais e ameaçou até trocar o comandante do órgão, Maurício Valeixo.
A PF é subordinada ao Ministério da Justiça, e Valeixo virou chefe por escolha de Moro. Os dois se conhecem há vários anos e trabalharam juntos na Lava Jato.
Antes, Moro havia sido atropelado por Bolsonaro em pelo menos outros cinco casos, entre eles a ordem de revogação da nomeação de uma suplente para um cargo de conselho vinculado ao ministério, Ilona Szabó, após pressão de bolsonaristas nas redes sociais.
Segundo interlocutores, Moro aceitou o convite de Bolsonaro para integrar o seu ministério e abandonar 22 anos de magistratura com o intuito de não permitir, no Brasil, a reedição do que ocorreu com a Mãos Limpas, na Itália. A operação desbaratou um gigantesco esquema de corrupção no país, devastou o mundo político, mas posteriormente foi sufocada por ele.
Nesse ponto, o ministro da Justiça tentou em 2019 emplacar uma série de medidas no Congresso, batizadas de pacote anticrime.
Além de ter que ceder a prioridade legislativa para a reforma da Previdência, Moro viu seu pacote ser esvaziado em vários pontos, entre eles a prisão logo após a segunda instância e a ampliação do excludente de ilicitude para policiais, o que abrandaria a possibilidade de punição a excessos da polícia.
O pacote aprovado foi recentemente sancionado por Bolsonaro, com mais uma derrota a Moro —contra a posição pública de seu ministro, o presidente deu aval à medida incluída pelos congressistas que estabelece a figura do juiz das garantias, tirando do magistrado que preside a investigação a responsabilidade sobre a sentença.
A medida é apontada no Congresso como uma resposta a excessos de Moro na Lava Jato e pode tirar do caso Flávio o juiz Flávio Itabaiana, criticado pela família Bolsonaro. O presidente nega que tenha tido essa motivação.
No campo da segurança pública, Moro tem comemorado publicamente, seguidas vezes, a redução dos homicídios nas estatísticas oficiais consolidadas pelo Ministério da Justiça. Apesar de a segurança pública ser atribuição majoritária dos estados e de a redução ter começado antes da gestão Bolsonaro, o ministro aponta um maior rigor contra as facções criminosas no período como fator que contribui para esse quadro.
Moro tem também como uma de suas apostas um projeto-piloto de ação concreta do governo federal no combate à criminalidade violenta no país, o Em Frente, Brasil.
Cinco cidades, uma de cada região, receberam policiamento e recursos extras para o combate à criminalidade. A ideia do ministro é estender a medida para mais municípios.
Em várias manifestações que fez ao longo do ano, Moro se mostrou leal a Bolsonaro e não se colocou como seu possível adversário.
O ministro pode também ser indicado para uma das duas vagas que se abrirão no STF na gestão de Bolsonaro, a de Celso de Mello em novembro de 2020 e a de Marco Aurélio em julho de 2021.
O caso das mensagens do Telegram, aliado a críticas que ele fez ao STF pela decisão que barrou a prisão de condenados logo após a segunda instância, podem representar empecilhos a isso.
“
Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Apresente tudo. Vamos submeter isso, então, ao escrutínio público. E, se houver ali irregularidade da minha parte, eu saio. Mas não houve. Por quê? Porque eu sempre agi com base na lei e de maneira imparcial Moro em 19.jun, durante audiência no Senado para explicar mensagens da Lava Jato
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O expresidente [Lula] faz parte do [meu] passado. Não faz parte do meu presente e eu não tenho responsabilidade nenhuma sobre o que prossegue em relação na Justiça quanto a ele Moro em 1o.dez, ao comentar pesquisa Datafolha que mostrou que a maioria da população considerou justa a soltura de Lula em novembro
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Sancionado hoje o projeto anticrime. Nãoéo projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente
Moro em 25.dez, depois de Bolsonaro contrariar sugestões dele ao sancionar o pacote anticrime