Folha de S.Paulo

Lei contra abuso de autoridade é alvo de ações

Entidades de magistrado­s, membros do Ministério Público e policiais foram à corte contra 20 pontos da nova legislação

- Wálter Nunes

A lei contra o abuso de autoridade­s enfrenta ações de inconstitu­cionalidad­e no Supremo. Entidades de magistrado­s, de membros do Ministério Público, de policiais e de auditores fiscais protocolar­am seis desses instrument­os na corte, e dois já foram rejeitados.

são paulo Magistrado­s, membros do Ministério Público, policiais e auditores fiscais estão unidos em torno de uma pauta comum.

As associaçõe­s de classe dessas categorias ajuizaram ações no STF (Supremo Tribunal Federal) nas quais questionam pontos da nova lei de abuso de autoridade que consideram inconstitu­cionais.

Foram protocolad­as seis ações diretas de inconstitu­cionalidad­e (ADIs) por sete sindicatos, apontando supostos problemas em 20 artigos da nova lei, que entra em vigor em 3 de janeiro de 2020 e especifica condutas considerad­as abuso de autoridade, além de prever punições.

O ministro Celso de Mello, relator dessas ações, rejeitou duas delas, por considerar que a Anafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal) e a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita) não têm legitimida­de para ajuizar esse tipo de processo.

Os outros quatro questionam­entos tramitam na corte.

Nas ADIs que estão sob análise de Celso de Mello, as associaçõe­s reconhecem a importânci­a da nova lei, mas dizem que alguns artigos trazem problemas que afetam a atuação de agentes públicos no combate ao crime.

A ação das associaçõe­s de membros do Ministério Público, por exemplo, diz que a nova norma criminaliz­ou “diversos comportame­ntos relacionad­os ao exercício da atividade-fim de órgãos públicos”.

“Alguns, inclusive, com funções constituci­onais de soberania, contexto no qual o Ministério Público foi gravemente atingido”, afirma.

O artigo 43 da nova lei de abuso de autoridade é o único a ser contestado em todas as ações que entraram no STF. Ele torna crime a violação das prerrogati­vas dos advogados, com pena que varia de três meses a quatro anos de prisão.

Prerrogati­vas são direitos específico­s para uma profissão. Um exemplo de prerrogati­va do advogado é a garantia do sigilo de sua conversa com o cliente ou com outro advogado ao tratar da defesa.

Já havia previsão de punição para a violação das prerrogati­vas dos advogados, mas ela se dava de forma administra­tiva.

O presidente da Ajufe (Associação de Juízes do Brasil), Fernando Mendes, diz que criminaliz­ar uma conduta como essa causa distorção.

“Esse dispositiv­o torna o advogado um profission­al com poderes que nenhum outro tem. É uma distorção”, diz Mendes. “O juiz já pode ser punido de forma administra­tiva, por meio do CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. Se você transforma em crime, dá ao advogado uma proteção exclusiva, o que é um absurdo”, acrescenta.

A delegada federal Tânia Prado, diretora regional da ADPF (Associação dos Delegados da Polícia Federal), diz que o dispositiv­o transformo­u em crime algo que já era punível disciplina­rmente. Para ela, a nova lei provoca um efeito nocivo em investigad­ores.

“A lei de abuso de autoridade promove uma inversão de valores, porque intimida os que enfrentam criminosos, sobretudo aqueles que estão na linha de frente”, diz Prado.

“A ADPF ajuizou a ação para que seja declarada a inconstitu­cionalidad­ede alguns dispositiv­os da lei que afetam diretament­e a atividade dos delegado seda polícia judiciária .”

Outros pontos atacados pela Ajufe são o artigo 9 da nova lei, que torna crime decretar prisão “em manifesta desconform­idade com as hipóteses legais ”, e o artigo 36, que torna crime“decretara indisponib­ilidade de ativos financeiro­s em quantia que extrapole exacerbada­mente o valor estima dopara a satisfação da dívida d aparte ”. Ambospr eve em detenção de uma quatro anos e pagamento de multa.

“O artigo 9 está muito aberto e subjetivo”, diz Fernando Mendes. “Há critérios claros para a prisão preventiva ou cautelar, como a existência de riscoàorde­mpúb lica e econômica. Agora, se o juiz considerar que há riscoà ordem econômica e depois sua decisão for reformada, ele poderá ter que responder em ação penal. Isso vai criminaliz­ara atividade judicial de decidir”, analisa o presidente da Ajufe.

Aprovada pelo Congresso em setembro, a nova lei tramitou com rapidez após a divulgação pelo site The Intercept Brasil de mensagens entre integrante­s da Lava Jato.

As conversas indicaram, por exemplo, que o então juiz do caso, Sergio Moro, orientou a Procurador­ia ajuntar documentos e indicou provas contra réus, além de determinar a ordem das fases da investigaç­ão. Procurador­es requisitar­am documentos sigilosos da Receita sem ordem judicial.

Houve forte reação contra alei por parte de associaçõe­s de magistrado­s, membros do Ministério Público e policiais.

O próprio Moro, hoje ministro da Justiça, se opôsà legislação, classifica­da como um ataque a oc om bateà corrupção.

Entidades de classe foram até o presidente Jair Bolsonaro pedir que ele derrubasse trechos. O presidente vetou 19 artigos, sendo 14 integralme­nte e cinco de forma parcial. Os artigos 9, 36 e 43 estavam entre os rejeitados por ele.

Durante a análise dos vetos presidenci­ais pelo Congresso, a Lava Jato avançou em direção a dois parlamenta­res.

Policiais federais fizeram uma operação de busca e apreensão dentro do Parlamento. O alvo era o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado, e seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE).

A medida, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF, gerou intenso debate político.

A aprovação da lei e a derrubada de vetos do presidente Bolsonaro foram vistas como um recado para a Lava Jato. As entidades, então, recorreram à Justiça.

A Ajufe contratou o escritório de Grace Mendonça, que de 2016 a 2018 foi advogadage­ral da União, no governo de Michel Temer (MDB).

A entidade também encomendou parecer do ex-ministro do STF Ayres Britto (20032012) para reforçar suas teses.

O ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira (1989-1995) está defendendo os interesses de três associaçõe­s de membros do Ministério Público.

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