Folha de S.Paulo

Em ano sob forte tensão, Congresso atua como um parlamenta­rismo branco

Sucessivas crises geradas pelo próprio Palácio do Planalto chegaram a impulsiona­r discussões sobre mudança do sistema político no país

- Danielle Brant, Daniel Carvalho e Angela Boldrini

brasília A constante tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional foi uma das principais marcas do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Diante de sucessivas crises geradas pelo próprio Executivo, chegou-se a discutir uma mudança de sistema político. A ideia foi abandonada, mas deputados e senadores dizem que, em 2019, o Brasil viveu uma espécie de parlamenta­rismo branco.

Apesar da disputa de protagonis­mo que perdurou ao longo do ano, os presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), atuaram pela aprovação de matérias como a reforma da Previdênci­a e conduziram a retenção da pauta mais controvers­a, como a flexibiliz­ação da posse e do porte de armas e a medida que visava asfixiar financeira­mente os jornais.

Na Câmara, foram votadas 608 proposiçõe­s, entre medidas provisória­s, projetos de leis e PECs (propostas de emenda à Constituiç­ão).

Ao todo, foram aprovadas 114 propostas, uma redução em relação a 2018, quando 157 matérias receberam sinal verde do plenário da Casa. É também o menor número desde 2016 (120).

Em comissões com caráter conclusivo, 444 propostas foram aprovadas, o maior número desde 2015 (515).

Levantamen­to da presidênci­a do Senado indica que, em 2019, foram votadas 331 matérias entre PECs, projetos de lei, medidas provisória­s, projetos de decreto legislativ­o e projetos de resolução.

Comparando-se os primeiros anos das últimas seis legislatur­as, este é o ano com maior produtivid­ade.

Maia e Alcolumbre têm estilos diferentes. O primeiro se irrita mais facilmente diante de provocaçõe­s e foi para o enfrentame­nto em diversos momentos ao longo de 2019.

Em março, Maia chegou a dizer que Bolsonaro estava “brincando de presidir”.

No fim do ano, o presidente da Câmara baixou o tom e disse que a relação do Executivo com o Congresso melhorou no segundo semestre, quando Bolsonaro parou de “atacar o Parlamento”.

“O Palácio [do Planalto] passou a ser menos agressivo com o Parlamento, passou a pedir em vez de cobrar”, afirmou.

Já Alcolumbre foge de confrontos e adota um tom mais bonachão, protagoniz­ando a política de sorrisos, abraços e tapinhas nas costas.

“O presidente Bolsonaro tem o estilo dele, a gente já conhece. O que a gente tem de fazer é ter consciênci­a da nossa obrigação”, disse o presidente do Senado no fim de dezembro.

A relação entre Maia e Alcolumbre também teve episódios de estresse, como quando o presidente do Senado reclamou com o colega da Câmara sobre a demora na liberação de MPs para deliberaçã­o.

Senadores pressionar­am Alcolumbre ao longo do ano, incomodado­s por terem virado meros carimbador­es de decisões dos deputados, uma vez que não havia tempo hábil para discutir MPs antes do prazo para que elas caducassem.

Com um Congresso renovado pela eleição de 2018, as duas Casas também tiveram de administra­r crises internas.

A principal pedra no sapato de Alcolumbre foi um grupo chamado Muda, Senado! Muda, Brasil!, composto por senadores que têm a defesa da Operação Lava Jato como uma de suas principais bandeiras.

Formado por congressis­tas que ajudaram a elegê-lo para a presidênci­a do Senado, o grupo sustentou a criação de uma comissão parlamenta­r de inquérito para investigar integrante­s do STF (Supremo Tribunal Federal), a chamada CPI da Lava Toga, engavetada sucessivam­ente por Alcolumbre.

Foram discursos na tribuna e ataques nas redes sociais.

“Não sentei nesta cadeira para ser irresponsá­vel, e, ainda que pese sobre meus ombros a responsabi­lidade de uma ou outra decisão impopular, não será um tuitaço que porá em risco os rumos do país. Pelo menos não no que diz respeito ao Congresso Nacional”, disse Alcolumbre no encerramen­to dos trabalhos do ano.

Ao longo de 2019, Maia foi se consolidan­do em um papel que lhe rendeu o apelido de “primeiro-ministro” nas redes sociais.

Depois de se tornar o principal articulado­r da reforma da Previdênci­a no Congresso, o presidente da Câmara fez avançar sua própria agenda.

Nos corredores da Casa, é dado como certo que os principais projetos aprovados pelo governo na Câmara, como a mudança nas regras de aposentado­ria e o marco do saneamento, não teriam saído do papel não fosse a atuação do deputado.

Isso porque a articulaçã­o do Planalto no Congresso, apesar das trocas feitas, é vista como ineficient­e desde o início do ano legislativ­o, em fevereiro.

Enquanto isso, o presidente da Câmara tem vasto apoio entre os congressis­tas.

Um indicativo disso veio em setembro, quando fez subir o dólar a notícia de que, ao concluir inquérito sobre supostos repasses da Odebrecht ao deputado, a Polícia Federal havia atribuído a ele os crimes de corrupção passiva, falsidade ideológica eleitoral (caixa dois) e lavagem de dinheiro.

Apesar da reação do mercado e das críticas nas redes sociais, no dia seguinte o clima era de perfeita normalidad­e no Congresso.

À época, deputados falaram que a denúncia não era suficiente para abalar a estima do presidente entre seus pares.

Em 2020, Maia e Alcolumbre terão de gerenciar uma pauta extensa e polêmica em um ano legislativ­o mais curto por causa do calendário eleitoral.

Dentre outros projetos, ambos prometem colocar em votação as três PECs do pacote econômico, a reforma administra­tiva e a prisão logo após condenação em segunda instância.

Além disso, terão de decidir sobre a própria manutenção da cadeira de presidente.

Ambos não podem ser reeleitos, mas está em aberto a possibilid­ade de tentarem uma mudança constituci­onal para que sejam candidatos novamente nesta mesma legislatur­a.

 ?? José Cruz - 18.dez.19/Agência Brasil ?? Os presidente­s do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia
José Cruz - 18.dez.19/Agência Brasil Os presidente­s do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil