Folha de S.Paulo

Os livros de política de 2019

Grande parte das melhores obras foi sobre como nos metemos nesse buraco

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fern

Começando com algo que dá alguma esperança, Djamila Ribeiro escreveu “Pequeno Manual Antirracis­ta”, um manifesto simples e direto que tem cara de que vai durar.

Mas grande parte dos melhores livros de política de 2019, aqui e no exterior, foi sobre como nos metemos nesse buraco. Também foi um bom ano para grandes análises de longo prazo sobre capitalism­o, desenvolvi­mento e desigualda­de.

No ano passado, os grandes lançamento­s foram sobre a crise das democracia­s. Como as democracia­s ainda não se recuperara­m, 2019 viu o lançamento de mais bons trabalhos sobre o problema. De longe, o melhor foi “Crisis of Democracy” (crise da democracia), de Adam Przeworski, o maior comparativ­ista da ciência política atual.

Outro destaque foi “Os Engenheiro­s do Caos”, de Giuliano da Empoli, um livro muito bem escrito sobre a ascensão do populismo de algoritmo e a nova direita, inclusive a brasileira.

“Amanhã Vai Ser Maior”, da antropólog­a Rosana PinheiroMa­chado, oferece uma interpreta­ção inteligent­e da ascensão do bolsonaris­mo, propõe estratégia­s para a esquerda e parte de conversas muito ricas com caminhonei­ros em greve e ex-participan­tes de “rolezinhos” que se tornaram bolsonaris­tas. Também do ponto de vista da esquerda, “Sobre Lutas e Lágrimas: Uma Biografia de 2018”, do jornalista Mário Magalhães, é uma bela crônica de um ano feio.

Os desdobrame­ntos da Lava Jato renderam bons livros. A biografia não autorizada de Eduardo Cunha, “Deus Tenha Misericórd­ia dessa Nação”, de Aloy Jupiara e Chico Otavio, mostra nas mãos de quem o Brasil esteve em 2015.

“Why Not”, de Raquel Landim, conta a história assustador­a do grupo JBS (o do Joesley, amigo do Temer) e mostra o que é o capitalism­o patrimonia­lista brasileiro. “A Elite na Cadeia”, de Wálter Nunes, conta o cotidiano e as intrigas entre empreiteir­os presos na Lava Jato e já valeria só pela descrição do literal “jogo do prisioneir­o” de quem delataria primeiro.

Atores institucio­nais importante­s também renderam bons livros. “Os Onze”, de Felipe Recondo e Luiz Weber, deve continuar sendo o melhor livro sobre o STF por algum tempo. “O Reino”, de Gilberto Nascimento, conta a história da Igreja Universal do Reino de Deus, com ênfase em sua relação com a política e bons bastidores de sua política interna.

Na linha “grandes interpreta­ções”, “The Narrow Corridor” (o corredor estreito), de Daron Acemoglu e James Robinson, propõe que os países constroem as instituiçõ­es certas para o desenvolvi­mento quando sociedade civil e Estado se mantêm em uma corrida um contra o outro em que ninguém nunca ganha.

“Capital et Ideologie”, de Thomas Piketty, procura preencher duas lacunas deixadas pelo best-seller improvável “Capital no Século XXI”: a análise de países periférico­s (inclusive, rápida e algo insatisfat­oriamente, o Brasil) e a história política da desigualda­de, com destaque para a mudança de perfil eleitoral da esquerda europeia (de partidos dos trabalhado­res a partidos dos mais diplomados).

Mas o melhor dos três é “Capitalism, Alone”, de Branko Milanovic. Oferece um panorama da desigualda­de no capitalism­o ocidental e uma interpreta­ção original sobre o lugar dos regimes comunistas na história do capitalism­o como matrizes do capitalism­o político de tipo chinês, que tem suas próprias fontes de instabilid­ade. É o livro do ano.

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