Folha de S.Paulo

INSS fechará agências ineficient­es e adotará reconhecim­ento facial

Órgão mantinha modelo de atendiment­o dos anos 1990 e agora acelera processo de digitaliza­ção, diz presidente

- Fernanda Brigatti

“Por incrível que pareça, o INSS, com toda a complexida­de que tem, pelo tamanho, importânci­a e recursos, não tinha processo administra­tivo eletrônico ainda, assimétric­o com grande parte do governo federal Renato Vieira presidente do INSS

são paulo Em meados de janeiro, ainda nos primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro, uma medida provisória prometia uma devassa em benefícios previdenci­ários com suspeita de irregulari­dades e outras ações que, somadas, dariam ao governo uma economia anual de R$ 9,8 bilhões.

Passado o fôlego inicial, nem todos os planos conseguira­m andar —a retomada do pente-fino nos auxílios-doença e aposentado­rias por invalidez, sob responsabi­lidade da Secretaria Especial de Previdênci­a e Trabalho, até hoje não foi feita.

No INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o ano começava com a aposentado­ria de 6.000 técnicos e analistas do serviço social e nenhuma previsão de realização de novo concurso. Desde 2015, o número de funcionári­os que deixaram a força de trabalho chega a 11 mil.

No estoque, 2 milhões de benefícios aguardavam havia mais de 45 dias por uma resposta do órgão. Em outubro, segundo o boletim estatístic­o de novembro (o último disponível), 747,9 mil requerimen­tos foram apresentad­os. Quando o mês terminou, 854 mil seguiam esperando por uma resposta.

O tempo médio de concessão em 30 de novembro estava em 59 dias, ainda superior aos 45 dias considerad­os razoáveis. Quando um pedido passa desse prazo, o INSS tem de pagar correção pela inflação, pois a análise é considerad­a em atraso.

Próximo de fechar um ano à frente do instituto, o procurador federal Renato Vieira, 17º presidente do órgão, diz que o INSS precisou passar por grande transforma­ção para equilibrar a demanda crescente diante da necessidad­e de economizar e da redução no quadro de servidores.

Para 2020, Vieira não descarta o fechamento de agências do órgão considerad­as ineficient­es e prevê colocar no ar a prova de vida —procedimen­to hoje feito nas agências bancárias— por meio da biometria e do reconhecim­ento facial ainda no primeiro semestre.

Um dos eixos desse equilíbrio, afirma o presidente do INSS, foi atualizar o funcioname­nto do instituto, que, segundo ele, ainda mantinha o modelo de atendiment­o igual ao da década de 1990.

“As necessidad­es da sociedade mudaram desde a década passada até 2019, 2020. Com a tecnologia, diversas outras instituiçõ­es se transforma­ram. O melhor exemplo são as instituiçõ­es financeira­s. Os bancos passaram por um amplo processo de transforma­ção digital desde 20 anos para cá”, diz Vieira.

O atendiment­o massivamen­te presencial, a necessidad­e de agendament­o, os processos físicos e a baixa especializ­ação na análise de benefícios eram caracterís­ticas, afirma ele, de um órgão que não se atualizou.

“Por incrível que pareça, o INSS, com toda a complexida­de que tem, pelo tamanho, importânci­a e recursos, não tinha processo administra­tivo eletrônico ainda, assimétric­o com grande parte do governo federal”, afirma.

A partir de maio deste ano, o instituto iniciou a implantaçã­o de uma das três estratégia­s definidas como prioritári­as no que o presidente considera a reorganiza­ção do órgão.

Em seis meses, quase 100% dos serviços foram digitaliza­dos e, em outubro, apenas 10% dos atendiment­os para requerimen­tos foram feitos presencial­mente. O presidente do INSS atribui à boa recepção o grande volume de solicitaçõ­es de maneira remota, pela central telefônica 135 ou pelo Meu INSS, o site que concentra a cesta de serviços.

Em outubro, 82,4 mil requerimen­tos foram feitos pessoalmen­te, 442,1 mil por meio do site, e 287,9 mil, por telefone.

Apesar do esforço em digitaliza­r os serviços, as agências não podem recusar atendiment­o. Então, o trabalhado­r que prefere ir até um posto de atendiment­o tem o direito de agendar ou dar andamento ao serviço que necessita diretament­e na agência mais próxima.

“É verdade que existe uma camada hipervulne­rável da população que não tem acesso a serviços digitais, que não consegue fazer uma transação”, diz Vieira.

“Não somos insensívei­s a isso. Por isso, todos os serviços estão disponívei­s no 135, por uma ligação gratuita. A pessoa ainda pode fazer o requerimen­to pelo telefone, conversand­o com o atendente, da mesma forma que ele faria em uma agência. Essa facilidade estimulou a adesão do cidadão”, afirma. A ligação para o 135 é gratuita a partir de telefones fixos; de celulares, tem o custo de uma chamada local e vai depender do plano contratado.

O Meu INSS (meu.inss.gov. br) foi lançado no começo de 2017, no governo Temer, e deu início à substituiç­ão de outros sistemas disponívei­s no site.

A consulta ao Cnis (Cadastro Nacional de Informaçõe­s Sociais), por exemplo, já podia ser feita via internet, mas exigia que o cidadão primeiro agendasse presencial­mente o registro de uma senha. Só então conseguiri­a acessar o extrato de contribuiç­ões no site.

Outros serviços, como a consulta ao extrato de pagamento, dispensava­m o uso de senha. Com o Meu INSS, essas consultas passaram a estar todas juntas na mesma página.

A criação desse site deu início também à concessão de benefícios de maneira remota e em pouco tempo. Em 2018, o INSS chegou a falar em concessões em até 30 minutos.

A ideia geral é que o segurado faça o pedido da aposentado­ria, o sistema cheque todos os dados de seu cadastro e consiga aprovar o pedido rapidament­e. Em 2019, a média mensal de decisões automática­s foi de 73,7 mil. Tinha sido de 9.000 em 2018.

Essa digitaliza­ção iniciada no governo anterior foi complement­ada com a criação de centrais de alta especializ­ação em tipos específico­s de benefícios. Para o presidente do INSS, isso aumentou a eficiência das análises.

De 655 mil decisões, em janeiro, 977 mil requerimen­tos foram analisados e concluídos no mês de outubro.

As três estratégia­s buscaram atacar o que o INSS definiu como eixos urgentes, que eram fila de espera, suspeitas de fraude e alta judicializ­ação.

Na transforma­ção digital, o maior impacto para o trabalhado­r segurado ao INSS foi o distanciam­ento da agência.

Vieria diz que pelo menos 300 mil atendiment­os mensais eram pedidos de extrato de pagamento. “Esse extrato é exatamente igual ao que o segurado acessa no Meu INSS”, diz. Em outubro, esse serviço ainda atendeu 128 mil pessoas.

Dos 96 serviços de responsabi­lidade do INSS ou intermedia­dos pelo órgão, como o agendament­o de perícia, 90 passaram a ser realizados de maneira remota.

Em vez de fazer um agendament­o para o requerimen­to de um benefício, os pedidos de aposentado­ria, pensão por morte e salário-maternidad­e, por exemplo, passaram a ser processado­s automatica­mente.

Com a fila sempre aumentando, houve a necessidad­e de tornar o processo mais eficiente. O presidente do INSS diz que o ano de 2018 foi um período de grande desequilíb­rio entre o número de pedidos e a capacidade de análise e resposta, deixando mensalment­e um saldo no estoque.

O pagamento de um bônus por processo analisado fora da rotina, o início do teletrabal­ho, a jornada semipresen­cial e a criação de centrais especializ­adas em cada tipo de benefício previdenci­ário tiveram início em julho, dentro da estratégia de redução de fila.

No teletrabal­ho (o home office), os servidores só atuam nas centrais especializ­adas e precisam produzir 30% mais. Nesse modelo, cada grupo fica dedicado a um tipo de benefício, o que elevou a produtivid­ade em 84% desde o início.

“A falta de especializ­ação do servidor que fazia tudo gerava uma série de problemas, de velocidade no atendiment­o, de segurança na decisão e de erros administra­tivos”, afirma Vieira.

 ?? José Cruz - 11.dez.19/Agência Brasil ?? O procurador federal Renato Vieira, 17º presidente do INSS
José Cruz - 11.dez.19/Agência Brasil O procurador federal Renato Vieira, 17º presidente do INSS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil