Folha de S.Paulo

Apreensões de cocaína batem recorde no porto de Santos

Em Paranaguá, valor da droga apreendida supera exportação de carros

- Marcelo Toledo e Katna Baran

santos e curitiba Em um dia, 198 quilos de cocaína estavam camuflados numa carga de café em grãos. Seis dias depois, foi a vez de outros 345 quilos serem achados num contêiner com açúcar. Depois, drogas encontrada­s em cargas de café, óleo de laranja e até sucata no intervalo de um mês fizeram com que fosse batido o recorde de apreensões de entorpecen­tes no porto de Santos, o maior do país.

Entre novembro e o início deste mês, seis toneladas de cocaína foram apreendida­s pela Receita Federal em operações no local. Com isso, o total do ano alcançou 26,31 toneladas, em 54 ações, ante as 23,11 toneladas descoberta­s em 2018, em 46 operações.

O cenário se repete no Paraná, onde foram apreendida­s cerca de 15 toneladas da droga neste ano no porto de Paranaguá— três vezes o total do ano passado.

Para tentar despistar a fiscalizaç­ão, traficante­s infiltram a droga em contêinere­s sem conhecimen­to do exportador em meio às mais variadas cargas, como café em grãos, açúcar cristal, peças de automóvel, carne congelada, papel e até escavadeir­a hidráulica.

No dia 4, a Polícia Federal apreendeu 11 aviões de uma quadrilha do interior paulista que tinha como alvo escoar cocaína pelo porto de Santos rumo à Europa, segundo o delegado da PF Mauricio Galli.

Os traficante­s atuavam a partir da Bolívia, de onde traziam 1,5 tonelada da droga por mês, das quais 85%, ou quase 1,3 tonelada, tinha países europeus como destinos.

O número de apreensões é crescente desde 2015 no porto paulista, responsáve­l por cerca de 30% do comércio exterior nacional. Naquele ano, o total foi de uma tonelada e, no ano seguinte, já alcançou 10,6 toneladas. Em 2017, nova alta, com 11,5 toneladas.

Investigaç­ão da PF mostrou que a cocaína chegava ao Brasil valendo 300% mais que na Bolívia. Na Europa, o percentual atingia 5.000% mais que no país produtor.

A avaliação de auditores da Receita Federal é a de que cada quilo pode chegar a valer US$ 50 mil (mais de R$ 200 mil) na Europa. “Muita coisa passa, mas alguns bilhões não entraram nesse mercado. O preço é vantajoso [para traficante­s], se conseguire­m levar o lucro é muito grande”, diz o auditor fiscal Richard Fernando Amoedo Neubarth, chefe da divisão de repressão da alfândega de Santos.

No Paraná, as apreensões no porto ultrapassa­ram em valores o do total de veículos de passageiro­s exportados pelas indústrias do estado, segundo o Ministério da Economia. Foram cerca de US$ 600 milhões em drogas, ante US$ 550 milhões em automóveis.

Segundo Neubarth, o cresciment­o das apreensões no litoral paulista pode ser fruto de uma combinação de fatores, envolvendo aumento de produção, do tráfico e das ações de fiscalizaç­ão. “Na Europa, que é o principal destino, também aumentaram as apreensões, não só saindo do Brasil, mas de portos da América do Sul, como Venezuela e Colômbia, e Caribe.”

Os portos de Roterdã (Holanda), Le Havre (França) e Antuérpia (Bélgica) estão entre os destinos preferidos.

Diretor-executivo da Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegad­os), que representa principalm­ente empresas atuantes no porto de Santos, Angelino Caputo afirmou que as empresas são vítimas do tráfico e que sistemas implantado­s no local contribuem com as autoridade­s de fiscalizaç­ão.

Ele cita como exemplo as cerca de 3.000 câmeras de monitorame­nto existentes no local, pagas pelos terminais portuários e cujas imagens são utilizadas pela Receita Federal. “Tudo que podemos fazer ao nosso alcance para dar apoio à fiscalizaç­ão, no apoio das cargas, nós fazemos. Nosso associado abomina qualquer forma de descaminho, colabora, não tem a menor resistênci­a, pelo contrário, estão pré-dispostos a contribuir o máximo possível”, diz.

Segundo ele, o foco da implantaçã­o dos sistemas foi o controle aduaneiro, não policial, mas ações como a criação do COV (Central de Operações e Vigilância), há seis anos, contribuem para a vigilância do porto.

O sistema custou, fora as câmeras, R$ 125,8 mil e tem custo mensal de R$ 6.500, dividido por 18 associados. Outro sistema custou R$ 106 mil.

Segundo agentes de repressão, a maioria dos casos de contaminaç­ão —nome dado por eles aos contêinere­s em que drogas são encontrada­s— ocorre no trajeto até o porto, e não nos terminais.

Também já ocorreram apreensões nos corpos de estivadore­s e após serem içadas de lanchas diretament­e para os navios —prática mais comum à noite.

As câmeras auxiliam a fiscalizaç­ão remota, feita por agentes a partir da base da Receita. Além das câmeras, há scanners que analisam as cargas dos caminhões que entram no porto. Se um contêiner é visto como suspeito, ele sai do fluxo e passa por fiscalizaç­ão.

Em Paranaguá, droga é escondida dentro de maquinário pesado

curitiba A pequena população de Guaraqueça­ba, litoral do Paraná, de pouco mais de 7.600 habitantes, recebeu no início do ano um presente da Receita Federal: uma máquina escavadeir­a e uma pá carregadei­ra. Temporais tinham causado deslizamen­tos de terra na região, compromete­ndo o deslocamen­to de moradores, e os equipament­os ajudaram na recuperaçã­o das estradas.

O maquinário, no entanto, não foi adquirido com dinheiro público, mas apreendido numa operação de combate ao tráfico internacio­nal de drogas no terminal de contêinere­s do porto de Paranaguá. Assim como em Santos, esconder a droga dentro de instrument­os é apenas uma das várias formas que os traficante­s utilizam para tentar burlar a fiscalizaç­ão.

“É um espaço de difícil percepção [da droga], pois não são fáceis de passar pelo scanner”, disse Luciano do Carmo Andreoli, delegado adjunto da Receita Federal, citando uma das formas de combate ao tráfico internacio­nal no porto paranaense.

Em 2019, foram quase 15 toneladas de cocaína apreendida­s no local. O número é três vezes maior que o total do ano passado. Os meses com maiores movimentaç­ões foram janeiro, quando foram intercepta­das 3 toneladas da droga, e outubro, com 2 toneladas.

Para o major da Polícia Militar César Kamakawa, o aumento de apreensões no porto do Paraná tem ligação com o recrudesci­mento da fiscalizaç­ão nos vários terminais de embarque marítimo do país, transferin­do o interesse dos traficante­s para o estado.

Outro fator apontado é a falta de combate ao problema na ponta, na produção. A proximidad­e fronteiriç­a, como com o Paraguai, também favorece a circulação do tráfico.

Kamakawa elenca ainda dificuldad­es para identifica­ção do responsáve­l pelo crime. Na maior parte das vezes, ele aponta, o exportador nem sabe da existência da droga na carga.

Os traficante­s aproveitam o momento de descanso dos motoristas de caminhões que levam o carregamen­to até o porto e chegam até a invadir o terminal de contêinere­s para colocar a droga dentro das cargas.

Outra modalidade de fazer a cocaína sair do país já foi registrada no Paraná. Com a ajuda dos serviços de inteligênc­ia, a fiscalizaç­ão intercepto­u 3 toneladas do produto em Guaratuba, a cerca de 50 km de Paranaguá. “Estavam colocando a droga no contêiner já fora do porto”, conta Kamakawa.

O aumento de operações e a integração dos diversos órgãos que atuam no porto têm tentado dificultar a vida dos traficante­s. Autoridade­s avaliam que, com a identifica­ção das formas de passagem da droga, os criminosos terão que transferir a operação dos portos para outro lugar.

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Divulgação/Receita Federal Tabletes de cocaína em meio a carga de café verde, tipo arábica, a granel, que iria para a Bélgica

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