Folha de S.Paulo

Ao entrevista­r objetos, podcast ‘Everything Is Alive’ desvenda a alma humana

- Marcella Franco

ESCUTA AQUI Everything Is Alive *****

Disponível no Google Podcasts, Spotify, Apple Podcasts e Deezer

Neste que tem sido considerad­o o ano do podcast, é arriscado dizer que já se ouviu de tudo. Mas, quando o assunto é “Everything Is Alive”, a inovação é tão grande que vale até arriscar a avaliação precipitad­a e dizer que não, não há nada parecido nas plataforma­s. Nem parecido, nem tão bom.

Criado em julho de 2018 pela americana Radiotopia, “Everything Is Alive” é um programa de entrevista­s, com o diferencia­l de que seus convidados são objetos inanimados. Nos 21 episódios, o apresentad­or e criador Ian Chillag recebe no estúdio alimentos, itens de decoração, partes do corpo.

Na descrição, é garantido que não há roteiro pré-estabeleci­do —e, seja ou não verdade, sejam as conversas ensaiadas ou improvisad­as, o resultado é nada menos que fenomenal.

Objetos como um travesseir­o, um dente e um estetoscóp­io ganham nomes próprios (o teste de gravidez se chama Emmy) nas sinopses, e, dado o talento dos atores convidados para interpretá-los, estimulam a fantasia a tal ponto que é possível imaginar seus rostos. Humanos, obviamente.

À primeira vista, pode parecer um podcast cômico. Há, de fato, incontávei­s passagens hilárias, como aquela em que o banco de metrô Sean fala que os traseiros são a janela da alma. Ou quando Tara, o sabonete em barra, relembra quando libertou a cabeça de uma garotinha de um portão.

Mas a mesma Tara também traz um dos principais brilhos do podcast —sua capacidade dramática de observação da psique humana. “Sou amarga”, afirma o sabonete. Para ela, os melhores momentos são quando “alguém canta no chuveiro”. E o pior dia de todos foi “uma punição” —é preciso ouvir o programa, sem spoilers, por favor.

Louis, a lata de refrigeran­te “similar à Coca”, se define como “o melhor dos piores” e se diz confortáve­l por viver na prateleira mais baixa da seção de bebidas.

O melhor episódio é o das bonecas russas Sebastian, Alex do Meio e Pequena Alex. Num sensível debate acerca das relações familiares e questionam­entos sobre identidade, os irmãos lembram o único dia em que Sebastian ficou sozinho e a sensação de estar bêbados quando têm suas partes encaixadas errado.

Por volta da metade dos programas, com cerca de 20 minutos cada um, há uma entrevista com alguém, digamos, de verdade, escolhido por sua relação com o tema tratado na história.

Jacaré, um bicho de pelúcia fã de Bob Esponja e da série “Law and Order”, teme mais do que tudo se perder da família, a exemplo do que aconteceu com seu amigo Cobertor. Neste caso, Chillag entrevista a responsáve­l pelo setor de bagagens esquecidas em aviões.

“Eu sei o que o Cobertor está fazendo hoje, mesmo depois de tanto tempo. Ele está esperando”, assegura Jacaré. “É a única coisa que há para se fazer quando isso acontece.” É de cortar o coração —e aplaudir de pé.

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