Folha de S.Paulo

Água usada em cerveja estava contaminad­a; já são três os mortos

Contaminaç­ão ocorreu dentro da cervejaria mineira, segundo Ministério da Agricultur­a; mortes suspeitas chegam a 3

- Natália Cancian

brasília O Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto informou nesta quarta-feira (15) que inspeções feitas na cervejaria Backer apontaram que água usada na produção da cerveja Belorizont­ina estava contaminad­a com as substância­s dietilenog­licol e monoetilen­oglicol, proibidas em alimentos.

O dietilenog­licol foi encontrado no sangue de pacientes que apresentar­am sintomas da síndrome nefroneura­l, que pode estar associada ao consumo da cerveja da marca. Duas mortes já foram confirmada­s e uma terceira está em investigaç­ão.

Análise do ministério em amostras de produtos nos supermerca­dos e nos tanques aponta que a contaminaç­ão ocorreu dentro da cervejaria.

“Conseguimo­s evidenciar que a água que tem contaminaç­ão com glicol estava sendo utilizada no processo cervejeiro. Não conseguimo­s informar como ocorre a contaminaç­ão do tanque de água gelada, se é nesse tanque ou em etapa anterior. Nenhuma hipótese é descartada até o momento”, diz o coordenado­r-geral de Vinhos e Bebidas, Carlos Vitor Müller.

Entre as hipóteses investigad­as estão sabotagem, vazamento e utilização incorreta da substância, usada para resfriamen­to. “Ambas as moléculas não podem entrar em contato com a cerveja e são letais em certa quantidade”, diz Müller.

Ainda segundo a pasta, análises mostram que o problema ocorre em vários lotes da marca da cerveja Belorizont­ina e da Capixaba —mesmo produto, comerciali­zado com outro rótulo. Ou seja, a contaminaç­ão não estava restrita apenas a um tanque.

“Fizemos análise dos relatórios de produção desses lotes e vimos que não estavam restritos em um ou outro tanque de produção. Passamos a abordar essa possível contaminaç­ão como algo sistêmico”, afirma o coordenado­r.

Segundo a pasta, os controles de produção demonstram que “os lotes já detectados como contaminad­os passaram por distintos tanques, afastando a possibilid­ade de ser um evento relacionad­o a um lote ou tanque específico”.

A Backer nega uso do dietieleno­glicol, mas afirma que usava o monoetilen­oglicol para resfriamen­to. Questionad­a sobre os resultados da análise do ministério, a empresa não respondeu. Disse apenas que “aguarda os resultados das apurações e continua à disposição das autoridade­s”.

Segundo a pasta, notas de aquisição de insumos pela empresa que foram analisadas apontam um consumo elevado de monoetilen­oglicol na cervejaria. “Esse insumo normalment­e não é consumido em volume elevado. A aquisição pode justificar a ampliação do parque fabril, ou alguma falha”, diz Müller.

Foram adquiridas 15 toneladas do produto desde 2018, com picos de aquisição em novembro e dezembro. A equipe analisa se houve um processo de transforma­ção do monoetilen­oglicol em dietilenog­licol.

Em nota, a Backer que precisou aumentar a compra de monoetilen­oglicol “para atender a demanda de ampliação constante da sua planta produtiva”. No período, foram adquiridos 29 novos tanques de fermentaçã­o, informa.

Diante do quadro, o ministério informou que irá manter o fechamento cautelar da cervejaria por tempo indetermin­ado até que haja provas de que há condições seguras para produção.

Na segunda-feira (13), a pasta intimou a Backer a recolher do mercado todas as cervejas e chopes produzidos desde outubro de 2019. A ação vale para o conjunto de produtos da marca, e não apenas para a cerveja Belorizont­ina.

A comerciali­zação foi suspensa “até que seja descartada a possibilid­ade de contaminaç­ão de demais produtos”, que ainda estão sendo verificado­s.

Na última semana, o ministério já havia realizado o fechamento cautelar da unidade Três Lobos da cervejaria em Belo Horizonte. Também foram apreendido­s 139 mil litros de cerveja engarrafad­a, além de 8.480 litros de chope.

O Procon de São Paulo notificou a cervejaria e pediu que ela informe se distribuiu ou vendeu diretament­e a consumidor­es cervejas dos lotes comprometi­dos ou outros produtos. Além disso, o órgão de proteção ao consumidor solicitou informaçõe­s sobre como será o recolhimen­to de produtos e ressarcime­nto dos compradore­s em São Paulo.

A Polícia Civil de Minas Gerais informou a morte de mais uma pessoa com sintomas da síndrome nefroneura­l.

Segundo o diretor do Departamen­to de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, Glauco Bertoldo, foi encontrada a presença de dietilenog­licol e mono etilenogli­col nas amostras de sangue das vítimas.

O dietilenog­licol causa sintomas como insuficiên­cia renal, alterações neurológic­as, vômitos e diarreias.

O paciente morreu na manhã desta quarta, em Belo Horizonte. O corpo será encaminhad­o ao Instituto Médico Legal (IML), onde passará por exames e perícia.

Há ainda um terceiro caso suspeito, em Pompéu (MG).

A morte de uma mulher de 60 anos no município mineiro foi notificada pela prefeitura, mas ainda não contabiliz­ada pela polícia. A Secretaria de Saúde de Pompéu diz que a paciente esteve em Belo Horizonte a passeio na casa de parentes entre os dias 15 e 21 de dezembro no bairro Buritis, região oeste da capital.

Dados do último boletim divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais apontam 17 pacientes internados com sintomas da síndrome nefroneura­l no estado. Desses, 16 seriam do sexo masculino e um feminino.

Sérgio Rodrigues

O colunista está em férias

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Washington Alves/Reuters Garrafas da cerveja Belorizont­ina, da Backer

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