Doria usou voo do estado em ‘Sexta sem Carro’ e feriados
Tucano foi para casa de helicóptero em dia de incentivo a transporte alternativo
são paulo Um dos 435 deslocamentos do governador João Doria (PSDB) em aeronaves pagas pelo Governo de São Paulo em 2019 foi feito no dia de uma campanha que estimula o uso de transportes alternativos, a Sexta sem Carro. O estado cita razões de segurança para justificar os traslados aéreos do tucano.
Em 26 de julho, o registro dos voos de Doria, obtido pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostra que ele usou o helicóptero do governo destinado ao transporte do governador para ir do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi (zona sul), para sua casa, no Jardim Europa (zona oeste).
Nessa data, a agenda pública do tucano teve apenas reuniões internas. Como a Folha revelou, ele utilizou helicópteros e aviões pagos pelo governo em 2 a cada 3 dias com compromissos externos.
A maior parte dos traslados (82%) foi em aeronaves da frota do estado. O restante foi em voos fretados —que custaram em torno de R$ 1,34 milhão.
Os deslocamentos aéreos, inclusive os realizados em distâncias consideradas curtas, são atribuídos pelo governo a uma determinação da Casa Militar, órgão responsável pela segurança do governador e da primeira-dama Bia Doria.
O Bandeirantes usou como argumento riscos que as autoridades paulistas correm por ações de enfrentamento a facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e disse que houve redução no número de horas voadas em comparação com 2018.
A Sexta sem Carro, que em julho caiu no dia 26, é uma campanha realizada pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) na última sexta de cada mês, para incentivar o debate sobre o uso de veículos.
O órgão de trânsito chega a fechar vias do centro da capital para a circulação de automóveis, como forma de chamar a atenção para a causa e “estimular o uso do transporte coletivo e as pequenas viagens a pé ou de bicicleta”.
Uma simulação na plataforma Google Maps mostra que o trajeto feito por Doria pelos ares levaria entre 14 e 45 minutos se fosse feito de carro naquela data. A distância por terra é de aproximadamente 5 km. O último compromisso dele naquele dia no Bandeirantes terminou às 17h30.
De helicóptero, a mesma viagem dura entre 3 e 5 minutos, segundo estimativas.
O heliponto usado para embarque e desembarque do governador nos trajetos que têm sua casa como ponto de partida ou destino final fica no topo do edifício Plaza Iguatemi. O prédio abriga a sede do Grupo Doria, empresa fundada pelo governador e desde 2016 controlada pelos filhos dele.
O prédio, na avenida Faria Lima, está a cerca de 800 m da casa onde ele e a primeira-dama moram, na rua Itália.
O traslado de 26 de julho não foi a única vez em que Doria se valeu de aeronaves custeadas com dinheiro público para sair de sua residência ou voltar para ela. Na maioria dos casos, contudo, o trajeto foi feito como parte de plano de voo que incluía idas a mais pontos.
Outros voos que se restringiram à rota palácio-casa foram em 28 de junho e 19 de julho.
Na segunda data, além do governador, viajaram a primeira-dama e o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB). A justificativa foi: “traslado ao Plaza Iguatemi para embarque em helicóptero particular com destino a Campos do Jordão”.
Os três voos do Bandeirantes para casa têm em comum o fato de que foram realizados em dias anteriores a viagens de Doria para Campos, onde o governador tem casa, a Villa Doria —cujo heliponto serve para pousos e decolagens de aeronaves a serviço dele.
Nessas três idas a Campos, o tucano não utilizou aeronaves do estado para chegar à cidade, segundo o levantamento. Uma vez em Campos, porém, ele usou voos custeados com verba pública para, em duas oportunidades, cumprir agendas em municípios próximos.
O governo afirmou, em nota, que Doria é “o primeiro governador do estado a custear voos de helicópteros com recursos próprios, por meio de sua aeronave pessoal”. Não detalhou, porém, quais trechos foram percorridos no helicóptero próprio, um Bell 429 com capacidade para oito pessoas.
Na avaliação do professor de gestão pública da FGV-SP Marco Antonio Teixeira, a situação é controversa. “Há uma zona cinzenta aí. Reforça a tese de que a fronteira entre público e privado não está clara na legislação e abre brechas para interpretações ao sabor do governante da hora”, diz ele, que é cientista político.
Em feriados, quando congestionamentos na capital costumam ser menores, o que reduz o tempo no trânsito, Doria e Bia também utilizaram voos requisitados pela Casa Militar.
Em 7 de setembro, o helicóptero de prefixo PR-GSP, que pertence ao governo e é reservado para traslado de autoridades, pegou o casal no Plaza
Iguatemi e o levou para o Museu do Ipiranga (zona sul), onde o governador fez solenidade do início de obras no local.
Doria e Bia também usaram a aeronave em 1º de maio para sair de casa e ir ao autódromo de Interlagos (zona sul) para a abertura oficial do Senna Day Festival, que celebrou o piloto Ayrton Senna (1960-1994).
Helicópteros a serviço do estado foram usados por Doria em todas as dez visitas mensais que fez em 2019 à Assembleia Legislativa (zona sul), a cerca de 8 km da sede do governo.
A reunião de fevereiro com os deputados estaduais foi a única que aparentemente teve ao menos uma perna da viagem feita por terra —os registros do governo não explicam como ele chegou, mas mostram que só usou helicóptero para voltar para o palácio.
Deslocamentos do governador para a região central, em idas à Prefeitura de São Paulo, ao Tribunal de Justiça e a pontos na avenida Paulista e arredores, também foram feitos com transporte aéreo.
A análise da tabela de traslados aéreos permite ver ainda que Doria chegou a fazer sete deslocamentos em um mesmo dia. Isso ocorreu em 22 de outubro e 18 de novembro.
No primeiro caso, um helicóptero do governo pegou o chefe do Executivo no heliponto perto de casa e rumou para o aeroporto de Congonhas, onde ele embarcou em um jato fretado (que custou R$ 60 mil ao governo) para a Araçatuba (SP). Lá outro helicóptero o aguardava para levá-lo a Lavínia (SP) e depois voltar.
Em Araçatuba, subiu no mesmo jato alugado, partiu em direção a Brasília e retornou à capital paulista. Ao pousar em Congonhas, usou helicóptero da frota paulista para seguir para casa.
As idas e vindas foram necessárias porque sua agenda incluiu inauguração de centro de detenção em Lavínia pela manhã, reunião à tarde com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em Brasília, e encontros com empresários à noite no Bandeirantes.
“Há uma zona cinzenta aí. Reforça a tese de que a fronteira entre público e privado não está clara na legislação e abre brechas para interpretações ao sabor do governante da hora Marco Antonio Teixeira professor de gestão pública da FGV-SP e cientista político