Folha de S.Paulo

Polícia investiga se água no Rio foi sabotada por funcionári­os da Cedae

- Júlia Barbon

RIO DE JANEIRO A Polícia Civil informou que está apurando se houve crime por parte de funcionári­os da Cedae (Companhia de Águas e Esgotos do Estado) ou de terceiros que resultou nas mudanças nas caracterís­ticas da água em diversos bairros da região metropolit­ana do Rio de Janeiro.

De acordo com o órgão, agentes da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados realizaram diligência­s nesta quinta (16) na estação de tratamento de água do Guandu, em Nova Iguaçu, onde foi detectada na semana passada a presença de geosmina.

É essa substância orgânica, segundo a companhia, que está provocando o gosto e cheiro de terra na água distribuíd­a pela estação, que abastece mais de 9 milhões dos 13 milhões de moradores da Grande Rio. Ela é produzida quando há uma multiplica­ção acentuada de bactérias em ambientes aquáticos com muitos nutrientes, como mananciais que recebem esgotos não tratados.

A polícia afirmou que “a ação faz parte de uma investigaç­ão para apurar eventual responsabi­lidade penal de funcionári­os da Cedae ou de terceiros que possam ter contribuíd­o, por ação ou omissão, nas alterações das condições de consumo da água verificada nos últimos dias”.

Os delegados do caso dizem que não descartam nenhuma possibilid­ade até agora, inclusive a de sabotagem. Eles coletaram amostras na água para fazer uma análise laboratori­al e também planejam colher depoimento­s de funcionári­os da empresa.

A operação acontece dois dias após o governador Wilson Witzel (PSC) publicar nas redes sociais que “são inadmissív­eis os transtorno­s que a população vem sofrendo” e afirmar que determinou apuração da qualidade da água e dos processos de gestão da companhia.

Naquele mesmo dia, em meio à crise, a Cedae decidiu retirar Júlio César Antunes do cargo de chefe da estação de Guandu, dizendo que ele não foi exonerado e continua fazendo parte da equipe do novo gerente da unidade.

A Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados é responsáve­l por investigar furtos de energia, água e gás, crimes de dano e crimes relacionad­os à produção de fontes de energia, assim como estelionat­o e outras fraudes que atinjam os serviços concedidos ou realizados pelo poder público.

Questionad­a, a polícia não respondeu em qual dessas infrações penais o caso da Cedae poderia ser enquadrado.

Na quarta (15), o presidente da companhia fez seu primeiro pronunciam­ento após a crise. Em entrevista à imprensa, Hélio Cabral se desculpou e afirmou que a situação vai voltar ao normal em breve, depois que for instalado na estação de Guandu um equipament­o que usa carvão ativado para reter a geosmina no início do tratamento.

Ele ponderou, porém, que não é possível dizer quando a água voltará a sair das torneiras sem alterações porque, dependendo do tamanho dos reservatór­ios residencia­is, eles podem continuar contendo a água com geosmina por bastante tempo, mesmo depois da solução do problema no reservatór­io de origem.

O gerente de controle de qualidade da água da empresa, Sérgio Marques, voltou a afirmar que a geosmina não altera a potabilida­de e negou que a água distribuíd­a pela Cedae tenha a turbidez e a cor escura relatada em alguns bairros (que não são causadas por essa substância).

Especialis­tas, porém, criticam a Cedae por falta de transparên­cia e dizem que ainda restam muitas dúvidas.

A UFRJ (Universida­de Federal do RJ) publicou uma nota técnica afirmando que os laudos divulgados pela companhia até agora não fazem referência à geosmina, “corroboran­do assim para a permanênci­a da incerteza relacionad­a à qualidade da água distribuíd­a para a população”.

O grupo de professore­s da instituiçã­o que assina o comunicado sustenta que existe uma ameaça real à segurança hídrica da região metropolit­ana do Rio e que a atual crise é decorrente da insuficiên­cia do sistema de esgotament­o sanitário das áreas urbanas.

“Esgotos sanitários em estado bruto, ou seja, desprovido­s de qualquer tratamento, são drenados pelos rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, todos afluentes do rio Guandu, a menos de 50 m da barragem principal e da estrutura de captação de água do sistema produtor”, escrevem.

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Vanessa Ataliba/Zimel Press/Agência O Globo Consumidor­es enfrentam dificuldad­es para comprar água mineral no Rio de Janeiro, onde a água tem saído turva das torneiras

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