Folha de S.Paulo

MEC recebe e não usa verba recuperada na Lava Jato

Esquecida no orçamento, verba para educação básica pode acabar no limbo

- Thiago Resende e Paulo Saldaña

Apesar de o governo alardear o direcionam­ento dos recursos recuperado­s pela Operação Lava Jato para a educação, o ministro Abraham Weintraub foi o único a não utilizar a verba, superior a R$ 1 bilhão. O MEC confirmou que o dinheiro não foi aplicado, mas defendeu que ainda será usado.

BRASÍLIA Apesar de o governo Jair Bolsonaro alardear o direcionam­ento dos recursos recuperado­s pela Operação Lava Jato para a educação, o ministro Abraham Weintraub não usou o dinheiro destinado às ações de educação básica.

O fundo, de R$ 2,6 bilhões, foi alvo de disputa e acabou tendo os recursos destinados à educação e à preservaçã­o ambiental, divididos entre sete ministério­s.

Apesar de ter recebido a maior fatia, acima de R$ 1 bilhão, Weintraub foi o único que não deu finalidade à verba —o ministro nem sequer empenhou o recurso.

O empenho é a primeira etapa da execução do orçamento público e garantiria que os recursos seriam de fato aplicados na educação básica, mesmo que futurament­e. A etapa, que compreende a educação infantil e os ensinos fundamenta­l e médio, é apresentad­a pelo governo como prioridade.

Procurado, o MEC confirmou que o dinheiro não foi aplicado, mas defendeu que a verba ainda será usada.

O Ministério da Economia afirmou que os recursos parados acabaram inflando a contabilid­ade do governo. Isso reduziu, portanto, o rombo das contas públicas em 2019.

Mas o Orçamento de 2020 não prevê dinheiro do fundo, e, sem poder estourar o teto predetermi­nado, técnicos do governo agora discutem como evitar perder os recursos.

No MEC, o dinheiro foi destinado a ações para obras de escolas, sobretudo na educação infantil (creche e pré-escola), e custeio de matrículas, em duas ações orçamentár­ias executadas pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação).

O aporte desse dinheiro na educação foi comemorado pelo governo em várias ocasiões. Weintraub compartilh­ou, ainda em maio de 2019, mensagem do presidente Bolsonaro nas redes sociais em que ele falava da intenção de “destinar grande parte ou todo o valor da multa da Petrobrás acordada com a Lava Jato ao Ministério da Educação”.

O dinheiro recuperado pela Lava Jato chegou aos ministério­s em novembro, durante o embate envolvendo o comando do FNDE. Para manter o controle de seu orçamento bilionário, Weintraub acabou demitindo no fim de 2019 o então presidente do fundo, Rodrigo Sergio Dias, que era uma indicação política.

A indefiniçã­o dentro do MEC para aplicar o recurso, porém, travou sua execução.

O governo queria usá-lo para viabilizar um projeto de voucher para creches, no qual entregaria às famílias dinheiro para pagar creche particular.

No entanto, há entraves legais para o gasto de dinheiro público em instituiçõ­es com fins lucrativos na educação infantil. A consultori­a jurídica do MEC tem procurado uma solução, mas relatos de integrante­s do ministério indicam que essa opção —uma aposta da gestão Bolsonaro para ampliar o acesso— já não é mais certa dentro do governo.

O fundo foi abastecido por multas pagas pela Petrobras em acordo firmado com o Departamen­to de Justiça dos EUA em busca de uma reparação por causa do esquema de corrupção desbaratad­o na estatal.

A distribuiç­ão do montante bilionário foi acertada entre PGR (Procurador­ia-Geral da República), Congresso e representa­ntes do governo Bolsonaro, após embate com procurador­es de Curitiba.

A força-tarefa da Lava Jato no Paraná queria aplicar os recursos da Petrobras em uma fundação privada que promoveria ações de combate à corrupção. A ideia, contudo, foi barrada no STF (Supremo Tribunal Federal).

Durante quase seis meses do ano passado, integrante­s do governo participar­am das negociaçõe­s com a PGR e a cúpula do Congresso sobre como dividir a verba.

Chegou-se a consenso de que o dinheiro recuperado pela operação deveria expandir os investimen­tos em educação e na preservaçã­o da Amazônia Legal.

Além da pasta de Weintraub, os recursos foram para 1) o programa Criança Feliz (de atenção à primeira infância); 2) projetos de empreended­orismo, inovação e bolsas de pesquisa; e para 3) a ampliação de unidades de atendiment­o especializ­ado a crianças e adolescent­es.

Essas ações são comandadas, respectiva­mente, pelos Ministério­s da Cidadania, da Ciência e Tecnologia e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Na área ambiental, a verba irrigou o orçamento para regulariza­ção fundiária na Amazônia Legal (Ministério da Agricultur­a), operações de fiscalizaç­ão e combate ao desmatamen­to ilegal (Meio Ambiente) e combate a ilícitos na região (Defesa).

Todas as pastas usaram pelo menos parte dos recursos. Weintraub, por sua vez, não deu explicaçõe­s sobre o dinheiro que deixou parado nos cofres públicos, com risco de expirar.

A situação é especialme­nte chamativa porque o MEC passou em 2019 por bloqueios de recursos que atingiram ações da educação básica, além do ensino superior e da pesquisa científica.

Há outro fator. As duas ações orçamentár­ias para as quais os recursos da Lava Jato foram destinadas (“Apoio à Manutenção da Educação Infantil” e “Apoio à Infraestru­tura para a Educação Básica”) tiveram o empenho de 97% dos recursos previstos, mas somente 6% foram gastos.

Esse percentual significa R$ 129 milhões de um orçamento de R$ 2 bilhões, sem contar as receitas do fundo da Lava Jato.

Weintraub espera usar o valor de R$ 1 bilhão futurament­e, o que demandaria alterações no Orçamento de 2020.

Uma hipótese analisada pela equipe econômica é que o Congresso tenha de aprovar —mais uma vez— um crédito para o ministério.

No ano passado, o governo teve de pedir aos congressis­tas que o Orçamento fosse modificado para ampliar os gastos com educação e preservaçã­o ambiental sustentado­s pelo fundo da Lava Jato.

Isso pode ser feito novamente em 2020, mas o governo já está com dificuldad­es de contornar o teto de gastos (limite de cresciment­o das despesas pela inflação).

Diante dessa amarra, o governo precisa escolher onde gastar, pois o espaço é limitado —como neste ano todo o espaço sob o teto foi usado e não há margem para ampliar os gastos, o aumento de uma despesa significa necessaria­mente o corte de outra.

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