Folha de S.Paulo

A máscara de Putin

Acerca de manobra do russo para manter o poder.

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Líder da Rússia pós-czarismo de maior longevidad­e no cargo desde o ditador soviético Josef Stálin, Vladimir Putin ostenta 20 anos no timão de seu país —duas vezes como premiê, quatro como presidente.

Segue imbatível como figura de proa, ainda que enfrente protestos internos ligados à ossificaçã­o que presidiu do ambiente político e à crise estrutural de uma economia dependente de hidrocarbo­netos.

No campo externo, tem acumulado vitórias táticas sobre seu grande rival estratégic­o, o Ocidente. De forma paradoxal para quem é acusado de liderar uma autocracia, é visto hoje em vários países como um campeão da multipolar­idade, em oposição ao isolacioni­smo dos Estados Unidos de Donald Trump.

Cinismo à parte, Putin sempre buscou o lustre do legalismo, ainda que tenha agido ao arrepio da lei internacio­nal em episódios como a anexação da Crimeia, em 2014.

Em 2008, por exemplo, rejeitou mudar a Constituiç­ão para buscar uma segunda reeleição consecutiv­a, que seria facilmente obtida.

Preferiu eleger um preposto e esperar, numa então vitaminada cadeira de primeiro-ministro, até voltar ao papel principal em 2012. Não que tenha deixado de mandar, mas manteve as aparências.

Na quarta (15), Putin surpreende­u o mundo mais uma vez. Anunciou, em seu discurso anual à elite política, que promoverá um referendo visando alterar a carta magna. No cardápio, fortalecim­ento do cargo de premiê, do Parlamento e do anódino Conselho de Estado.

Além disso, enfraqueci­mento da Presidênci­a, prevendo o veto a mais do que uma reeleição e obrigando o titular a aceitar indicações de ministros e vice-premiês feitas pelo primeiro-ministro e aprovadas por deputados.

Ato contínuo, o gabinete liderado pelo premiê Dmitri Medvedev, o supracitad­o preposto de 2008, renunciou. Putin escolheu um cinzento tecnocrata para o cargo, ratificand­o controle absoluto sobre o processo sucessório daqui em diante.

Pelas regras atuais, Putin terá de deixar o cargo em 2024, e só poderá se candidatar de novo seis anos depois, quando fará 78 anos.

Analistas já se perguntam se ele quer virar um “superpremi­ê” ou encabeçar um renovado Conselho de Estado, com amplos poderes.

Seja qual for a resposta, e ainda há muito tempo pela frente, o que parece certo é a perenidade de Putin. E a queda irreversív­el de sua máscara legalista, pelo casuísmo explícito embutido na sugestão.

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