Folha de S.Paulo

‘Se foi ilegal, a gente vê na lá frente’, diz Bolsonaro sobre caso Wajngarten

Presidente mantém secretário, que recebe de contratada­s do governo, e ataca Folha por revelação

- Talita Fernandes e Ricardo Della Coletta

brasília O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar a Folha

e afirmou nesta quinta-feira (16) que Fabio Wajngarten, chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a), permanecer­á no cargo após a revelação de que possui uma empresa que recebe dinheiro de contratada­s do governo.

“Se foi ilegal, a gente vê lá na frente. Mas, pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profission­al. Se fosse um porcaria, igual alguns que tem por aí, ninguém estaria criticando ele”, disse o presidente ao sair do Palácio da Alvorada pela manhã.

Na quarta-feira (15), a Folha

revelou que Wajngarten recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras televisiva­s e de agências de publicidad­e contratada­s pela própria secretaria, ministério­s e estatais do governo Bolsonaro.

A legislação vigente proíbe integrante­s da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões.

Bolsonaro comentou o assunto após ser questionad­o três vezes sobre a permanênci­a do secretário. Ele se recusou a responder perguntas feitas pela Folha e disse que o jornal não tem moral para fazer perguntas.

“Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para perguntar, não”, afirmou, pedindo que outros repórteres fizessem perguntas. “Cala a boca”, disse, destratand­o e desrespeit­ando a repórter da Folha.

No início da noite, Bolsonaro reagiu outra vez com agressivid­ade ao ser questionad­o pela Folha sobre o assunto.

“Você está falando da tua mãe?”, reagiu ao responder se tinha conhecimen­to dos contratos assinados pela FW Comunicaçã­o.

A reportagem perguntou: “O senhor sabia dos contratos do Fabio, presidente?”.

“Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?”, disse Bolsonaro. “Não, estou falando do secretário de Comunicaçã­o, do Fabio Wajngarten”, respondeu a Folha.

Pouco antes, durante cerimônia da Operação Acolhida no Planalto, que cuida de refugiados venezuelan­os, o presidente fez críticas à imprensa em uma fala inflamada.

Disse que a imprensa “tem medo da verdade”. “Deturpam o tempo todo e quando não conseguem deturpar, mentem descaradam­ente. Esse é o livro dessa japonesa que eu não sei o que faz no Brasil, que faz agora contra o governo”, afirmou.

O presidente se referia ao livro “Tormenta”, escrito pela jornalista brasileira Thaís Oyama, que será lançado neste mês pela Companhia das Letras.

A obra esmiúça os jogos de poder nos bastidores do primeiro ano do governo.

“Esta imprensa, não tomarei nenhuma medida para censurá-los [gritando, sob aplausos], mas tomem vergonha na cara. Deixem nosso governo em paz para poder levar paz e harmonia para nosso povo. Se tenho coragem de fazer isso agora é porque eu tenho consciênci­a do que acontece com o governo”, disse. Ao final de sua fala, Bolsonaro pediu desculpas pelo “desabafo”, mas disse se tratar de um “discurso do coração”.

Pouco depois, ao chegar no Alvorada, declarou: “Peguem meu discurso que eu falei para a imprensa agora no Palácio [do Planalto], para toda a mídia. Não vou responder. Já dei o recado para todo mundo. Eu gosto de vocês, mas os editores chefes dos senhores...”.

O presidente voltou a distorcer o episódio da assessora fantasma revelada pela Folha em janeiro de 2018. O jornal mostrou que, como deputado federal, Bolsonaro usou dinheiro da Câmara para pagar o salário da assessora Walderice Santos da Conceição, que vendia açaí na praia e prestava serviços particular­es a ele em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.

Bolsonaro repetiu a versão de que ela estava de férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez.

“Eu quero ver quando a Folha de S.Paulo vai desfazer a covardia que vocês fizeram com a Wal do Açaí, de Angra dos Reis. Quando a Folha de S.Paulo vai fazer uma matéria desfazendo a covardia com a Wal lá de Mambucaba?”, disse.

“Porque quando vocês falaram que ela estava fazendo açaí, ela estava de férias, conforme boletim legislativ­o da Câmara. Então a Folha de S.Paulo não tem crédito para acusar ninguém, não tem credibilid­ade. Lamentavel­mente uma péssima imprensa o que faz a Folha de S.Paulo. Outra pergunta aí”, disse.

A Folha esteve na Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunida­des. Na primeira, em 11 de janeiro, durante o recesso parlamenta­r, a reportagem ouviu de diversos moradores, em conversas gravadas, que Walderice não tinha

Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?

Idem a repórter da Folha que perguntou se ele sabia dos contratos da FW Comunicaçã­o ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamenta­r e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu, em uma loja que leva o seu nome, “Wal Açaí”.

Em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara.

Nas declaraçõe­s desta quinta, o presidente atacou mais uma vez a Folha ao ser questionad­o pela reportagem sobre a sanção do projeto do fundo eleitoral, cujo prazo expira na próxima segunda (20).

“Já falei que a Folha está fora. A Folha é um lixo. Eu quero saber, a Folha de S.Paulo,

o Datafolha, eu perderia para todo mundo no segundo turno. Você não tem vergonha na cara, ainda vem aqui fazer plantão? Você não é o problema, é a Folha, desculpa aí. Nada contra você, você não é dona da Folha. Você está apenas cumprindo seu papel para tentar infernizar o governo”, afirmou.

“Qual pauta positiva a Folha

teve do governo até hoje? Nada, zero. O 13º do Bolsa Família não apareceu na capa. Se fosse no PT, que dava bilhões para a grande mídia o ano todo, estaria elogiando o Lula. Quanto a mim, é só pancada o tempo todo, acabou a mamata, Folha de S.Paulo.”

Apesar das declaraçõe­s do mandatário de que, segundo o Datafolha, ele não seria presidente, a última pesquisa do instituto antes do segundo turno das eleições de 2018 apontou a vitória de Bolsonaro, com 55% dos votos válidos, ante 45% de Fernando Haddad (PT) —mesmos índices do resultado final

Sobre os ataques de Bolsonaro, o jornal divulgou a seguinte nota: “O presidente volta a atacar a Folha sem explicar os conflitos de interesse de seu assessor revelados em reportagem. Continuare­mos a praticar um jornalismo técnico, crítico e apartidári­o em relação a seu governo, como fizemos com todas as administra­ções anteriores”.

Presidente cometeu 58% dos ataques a jornalista­s em 2019

são paulo | uol O presidente Bolsonaro foi o responsáve­l por 121 dos 208 ataques a veículos de comunicaçã­o e jornalista­s compilados no Brasil em 2019 pela Federação Nacional dos Jornalista­s (Fenaj), o que representa 58% do total.

Segundo a Fenaj, em 2019 o Brasil registrou aumento de 54% nesse tipo de ataque físico ou moral contra profission­ais ou veículos, na comparação com 2018 (135 casos).

O levantamen­to divulgado nesta quinta-feira registra que, no caso de Bolsonaro, “foram 114 ofensivas genéricas e generaliza­das, além de sete casos de agressões diretas a jornalista­s”.

A maioria dos ataques de Bolsonaro ocorreu em divulgaçõe­s oficiais da Presidênci­a da República, em discursos e entrevista­s —transcrito­s no site do Palácio do Planalto— ou no Twitter oficial de Bolsonaro.

Em outubro, o presidente disse que a Folha desceu “às profundeza­s do esgoto” ao publicar reportagem sobre possível uso de caixa dois na campanha dele à Presidênci­a. Também determinou o cancelamen­to de assinatura­s do jornal no governo federal.

Entre os ataques de Bolsonaro a repórteres, ele disse “Você tem uma cara de homossexua­l terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexua­l” a um profission­al que indagava sobre denúncias contra seu filho Flávio.

Na mesma entrevista, Bolsonaro alterou o tom da voz e ofendeu um repórter ao responder se tinha comprovant­e de um alegado empréstimo seu a Fabrício Queiroz, ex-policial e ex-assessor de Flávio.

“Ô, rapaz, pergunta para a tua mãe o comprovant­e que ela deu para o teu pai”.

Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou até a conclusão desta edição.

“Pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profission­al. Se fosse um porcaria, igual alguns que tem por aí, ninguém estaria criticando ele

Jair Bolsonaro sobre Fabio Wajngarten

 ?? André Coelho/Folhapress ?? O presidente Jair Bolsonaro durante a entrevista no portão do Palácio da Alvorada, na manhã desta quinta-feira (16)
André Coelho/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro durante a entrevista no portão do Palácio da Alvorada, na manhã desta quinta-feira (16)

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