‘Se foi ilegal, a gente vê na lá frente’, diz Bolsonaro sobre caso Wajngarten
Presidente mantém secretário, que recebe de contratadas do governo, e ataca Folha por revelação
brasília O presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar a Folha
e afirmou nesta quinta-feira (16) que Fabio Wajngarten, chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência), permanecerá no cargo após a revelação de que possui uma empresa que recebe dinheiro de contratadas do governo.
“Se foi ilegal, a gente vê lá na frente. Mas, pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profissional. Se fosse um porcaria, igual alguns que tem por aí, ninguém estaria criticando ele”, disse o presidente ao sair do Palácio da Alvorada pela manhã.
Na quarta-feira (15), a Folha
revelou que Wajngarten recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras televisivas e de agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo Bolsonaro.
A legislação vigente proíbe integrantes da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões.
Bolsonaro comentou o assunto após ser questionado três vezes sobre a permanência do secretário. Ele se recusou a responder perguntas feitas pela Folha e disse que o jornal não tem moral para fazer perguntas.
“Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para perguntar, não”, afirmou, pedindo que outros repórteres fizessem perguntas. “Cala a boca”, disse, destratando e desrespeitando a repórter da Folha.
No início da noite, Bolsonaro reagiu outra vez com agressividade ao ser questionado pela Folha sobre o assunto.
“Você está falando da tua mãe?”, reagiu ao responder se tinha conhecimento dos contratos assinados pela FW Comunicação.
A reportagem perguntou: “O senhor sabia dos contratos do Fabio, presidente?”.
“Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?”, disse Bolsonaro. “Não, estou falando do secretário de Comunicação, do Fabio Wajngarten”, respondeu a Folha.
Pouco antes, durante cerimônia da Operação Acolhida no Planalto, que cuida de refugiados venezuelanos, o presidente fez críticas à imprensa em uma fala inflamada.
Disse que a imprensa “tem medo da verdade”. “Deturpam o tempo todo e quando não conseguem deturpar, mentem descaradamente. Esse é o livro dessa japonesa que eu não sei o que faz no Brasil, que faz agora contra o governo”, afirmou.
O presidente se referia ao livro “Tormenta”, escrito pela jornalista brasileira Thaís Oyama, que será lançado neste mês pela Companhia das Letras.
A obra esmiúça os jogos de poder nos bastidores do primeiro ano do governo.
“Esta imprensa, não tomarei nenhuma medida para censurá-los [gritando, sob aplausos], mas tomem vergonha na cara. Deixem nosso governo em paz para poder levar paz e harmonia para nosso povo. Se tenho coragem de fazer isso agora é porque eu tenho consciência do que acontece com o governo”, disse. Ao final de sua fala, Bolsonaro pediu desculpas pelo “desabafo”, mas disse se tratar de um “discurso do coração”.
Pouco depois, ao chegar no Alvorada, declarou: “Peguem meu discurso que eu falei para a imprensa agora no Palácio [do Planalto], para toda a mídia. Não vou responder. Já dei o recado para todo mundo. Eu gosto de vocês, mas os editores chefes dos senhores...”.
O presidente voltou a distorcer o episódio da assessora fantasma revelada pela Folha em janeiro de 2018. O jornal mostrou que, como deputado federal, Bolsonaro usou dinheiro da Câmara para pagar o salário da assessora Walderice Santos da Conceição, que vendia açaí na praia e prestava serviços particulares a ele em Angra dos Reis (RJ), onde tem casa de veraneio.
Bolsonaro repetiu a versão de que ela estava de férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez.
“Eu quero ver quando a Folha de S.Paulo vai desfazer a covardia que vocês fizeram com a Wal do Açaí, de Angra dos Reis. Quando a Folha de S.Paulo vai fazer uma matéria desfazendo a covardia com a Wal lá de Mambucaba?”, disse.
“Porque quando vocês falaram que ela estava fazendo açaí, ela estava de férias, conforme boletim legislativo da Câmara. Então a Folha de S.Paulo não tem crédito para acusar ninguém, não tem credibilidade. Lamentavelmente uma péssima imprensa o que faz a Folha de S.Paulo. Outra pergunta aí”, disse.
A Folha esteve na Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunidades. Na primeira, em 11 de janeiro, durante o recesso parlamentar, a reportagem ouviu de diversos moradores, em conversas gravadas, que Walderice não tinha
Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?
Idem a repórter da Folha que perguntou se ele sabia dos contratos da FW Comunicação ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamentar e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu, em uma loja que leva o seu nome, “Wal Açaí”.
Em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara.
Nas declarações desta quinta, o presidente atacou mais uma vez a Folha ao ser questionado pela reportagem sobre a sanção do projeto do fundo eleitoral, cujo prazo expira na próxima segunda (20).
“Já falei que a Folha está fora. A Folha é um lixo. Eu quero saber, a Folha de S.Paulo,
o Datafolha, eu perderia para todo mundo no segundo turno. Você não tem vergonha na cara, ainda vem aqui fazer plantão? Você não é o problema, é a Folha, desculpa aí. Nada contra você, você não é dona da Folha. Você está apenas cumprindo seu papel para tentar infernizar o governo”, afirmou.
“Qual pauta positiva a Folha
teve do governo até hoje? Nada, zero. O 13º do Bolsa Família não apareceu na capa. Se fosse no PT, que dava bilhões para a grande mídia o ano todo, estaria elogiando o Lula. Quanto a mim, é só pancada o tempo todo, acabou a mamata, Folha de S.Paulo.”
Apesar das declarações do mandatário de que, segundo o Datafolha, ele não seria presidente, a última pesquisa do instituto antes do segundo turno das eleições de 2018 apontou a vitória de Bolsonaro, com 55% dos votos válidos, ante 45% de Fernando Haddad (PT) —mesmos índices do resultado final
Sobre os ataques de Bolsonaro, o jornal divulgou a seguinte nota: “O presidente volta a atacar a Folha sem explicar os conflitos de interesse de seu assessor revelados em reportagem. Continuaremos a praticar um jornalismo técnico, crítico e apartidário em relação a seu governo, como fizemos com todas as administrações anteriores”.
Presidente cometeu 58% dos ataques a jornalistas em 2019
são paulo | uol O presidente Bolsonaro foi o responsável por 121 dos 208 ataques a veículos de comunicação e jornalistas compilados no Brasil em 2019 pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o que representa 58% do total.
Segundo a Fenaj, em 2019 o Brasil registrou aumento de 54% nesse tipo de ataque físico ou moral contra profissionais ou veículos, na comparação com 2018 (135 casos).
O levantamento divulgado nesta quinta-feira registra que, no caso de Bolsonaro, “foram 114 ofensivas genéricas e generalizadas, além de sete casos de agressões diretas a jornalistas”.
A maioria dos ataques de Bolsonaro ocorreu em divulgações oficiais da Presidência da República, em discursos e entrevistas —transcritos no site do Palácio do Planalto— ou no Twitter oficial de Bolsonaro.
Em outubro, o presidente disse que a Folha desceu “às profundezas do esgoto” ao publicar reportagem sobre possível uso de caixa dois na campanha dele à Presidência. Também determinou o cancelamento de assinaturas do jornal no governo federal.
Entre os ataques de Bolsonaro a repórteres, ele disse “Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual” a um profissional que indagava sobre denúncias contra seu filho Flávio.
Na mesma entrevista, Bolsonaro alterou o tom da voz e ofendeu um repórter ao responder se tinha comprovante de um alegado empréstimo seu a Fabrício Queiroz, ex-policial e ex-assessor de Flávio.
“Ô, rapaz, pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai”.
Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou até a conclusão desta edição.
“Pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profissional. Se fosse um porcaria, igual alguns que tem por aí, ninguém estaria criticando ele
Jair Bolsonaro sobre Fabio Wajngarten