Folha de S.Paulo

Regulação das patinetes não engata em SP

Alto custo dificulta expansão do aluguel dos equipament­os na cidade; empresa Lime anunciou neste mês saída do país

- Rafael Balago

são paulo O número de patinetes para empréstimo nas calçadas do largo da Batata e na ciclovia da Faria Lima diminuiu neste início de ano. Já em bairros como Santana e Tatuapé, elas sumiram de vez. Enquanto isso, a Prefeitura de São Paulo adiou mais uma vez a aplicação de novas regras para o serviço.

As mudanças se devem a decisões das empresas. A Lime, um dos maiores nomes globais do setor, deixou de atuar no Brasil menos de seis meses depois de chegar.

A saída, anunciada no dia 9, faz parte de um plano para se concentrar em mercados capazes de gerar lucro, segundo um comunicado. Sediada nos EUA, a marca recebeu mais de US$ 700 milhões em investimen­tos, mas ainda opera no vermelho.

Também em janeiro, a Grow (dona dos apps Grin e Yellow) encerrou sua operação de patinetes em bairros das zonas norte e leste de São Paulo, porque o serviço “deixou de ser sustentáve­l”, segundo nota da empresa. E anunciou que passa a atender parte do Capão Redondo, na zona sul, e os arredores da avenida Eliseu de Almeida, na zona oeste.

O empréstimo de patinetes enfrenta uma série de obstáculos, especialme­nte financeiro­s. Embora o setor tenha recebido grandes investimen­tos, que permitiram dar descontos para conquistar público, começa a haver cobranças por bons resultados.

As empresas têm custo elevado para manter a frota, o que gera um valor alto para cada viagem. “No caso de apps como o Uber, o gasto de manter os veículos fica com os motoristas, o que facilita a expansão para outras áreas. Já para as patinetes, cabe às empresas pagar pelos reparos e comprar novos veículos”, afirma Daniel Guzzo, professor de economia circular do Insper.

O uso desgasta os veículos rapidament­e: cada um dura poucos meses nas ruas. Isso exige reposição constante. “Elas são importadas, e a tributação das patinetes elétricas no Brasil é de 107%. Você traz um e paga dois”, disse Felipe Daud, diretor de Relações Institucio­nais da Lime na América Latina, em novembro. A alta do dólar também tornou essa conta mais pesada.

Para o usuário, alugar uma patinete e cruzar os cerca de 2 km da avenida Brigadeiro Faria Lima leva menos de dez minutos, mas custa R$ 10 na Grin, valor próximo ao de uma viagem de Uber, por exemplo.

O alto valor dificulta a adoção da patinete para pequenos trajetos diários. Sem uso frequente, fica mais difícil tornar o negócio sustentáve­l.

“Notamos que o uso acabava sendo muito mais para lazer”, conta Tomás Martins, CEO da Tembici, que testou um serviço de patinetes no Rio de Janeiro em 2019, mas desistiu da ideia. Pessoas que acompanhar­am a experiênci­a disseram que o risco de acidentes também pesou na decisão.

“A patinete ganha velocidade muito rápido. Como tem rodas pequenas e estrutura leve, qualquer ranhura no asfalto a desestabil­iza”, aponta Daniel Guth, diretor da Aliança Bike, associação que reúne empresas do setor de bicicletas.

Temendo acidentes, cidades como Nova York e Barcelona vetaram as patinetes. Outras, como Madri e Paris, colocaram regras duras, que limitam a quantidade de veículos e os locais de uso.

Em São Paulo, a regulação sofreu idas e vindas ao longo de 2019. No início de novembro, foram publicadas novas regras, que criam um imposto de R$ 0,20 por viagem e determinam que as patinetes devem ser emprestada­s e devolvidas em estações fixas e não mais em qualquer calçada.

Na época, a Lime questionou as mudanças. “A maioria das viagens é de até 2 km. Se o usuário precisar andar 400 metros para achar ou devolver uma patinete, pode haver um desestímul­o”, disse Daud.

A prefeitura havia estipulado o prazo de 1º de janeiro para que as empresas se adequassem, mas só publicou as normas técnicas para as estações em 28 de dezembro, o que atrasou o processo.

Procurada, a Secretaria de Mobilidade e Transporte­s disse que está finalizand­o os estudos para determinar quantas patinetes e estações poderão ser instalados. “Tão logo os estudos estejam concluídos, a prefeitura estará apta a fazer os credenciam­entos definitivo­s”, afirmou a pasta, em nota, sem citar prazos.

Outra exigência municipal é de que as empresas levem patinetes a bairros mais afastados do centro, proposta que esbarra na questão da segurança.

Com estratégia diferente e operação menor, a brasileira Scoo fez um acordo com os operadores das linhas 4 e 5 do metrô paulistano para oferecer patinetes nas saídas das estações, e planeja levar o serviço a vários bairros atendidos por esses ramais nos próximos meses, incluindo o Capão Redondo.

A Scoo cobra menos — R$ 4,40 pelos primeiros 15 minutos— e diz que outros negócios, como o fornecimen­to de patinetes para eventos corporativ­os e para entrega de comida, ajudam a fechar as contas.

“Criamos modelos com bateria mais durável, que combinam peças nacionais e importadas. E temos de planos de fabricá-los inteiramen­te no Brasil”, disse Denis Lopardo, CEO da startup.

Enquanto as patinetes buscam seu lugar, as bicicletas elétricas ganham espaço. A Tembici faz testes com esses modelos na rede do Bike Sampa desde o ano passado e teve resultados promissore­s. O motor ajuda a fazer viagens mais longas e atrai pessoas sem condiciona­mento físico. “Vemos espaço para que 50% da frota do Bike Sampa seja de bicicletas elétricas nos próximos anos”, diz Martins.

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