Folha de S.Paulo

Dono da grife Brechó Replay é acusado de assédio por modelos

Ex-colaborado­res do estilista Eduardo Costa dizem que empresário usava hype como moeda de troca de abusos

- Pedro Diniz

são paulo O criador de um dos coletivos de artistas mais famosos do país teria oferecido lascas do hype da moda em São Paulo por um alto preço a uma dezena de jovens. Assédio e investidas que não raro terminavam em abuso sexual são algumas das acusações que recaem sobre Eduardo Costa, dono do Brechó Replay.

Desde a terça (15) saltam nas redes sociais denúncias de assédios vinculados a Costa. O campineiro de 30 anos teria convidado garotos para sessões de fotos, gravações e estadias em seu apartament­o no centro da capital paulista, onde teriam ocorrido, entre 2015 e 2017, os abusos relatados à reportagem. Alguns dos garotos eram menores de idade.

Era no endereço que funcionava esse brechó, considerad­o por publicaçõe­s internacio­nais como um dos mais relevantes do mundo em 2019 numa lista de cem nomes.

Os desfiles da marca na Casa de Criadores reuniam modelos negros, pessoas fora do padrão da moda e parcerias com grifes incensadas.

Um deles teria sido o ator brasiliens­e Mateus Papa, 24, convidado para uma sessão de fotos no Carnaval de 2017. Ele e Costa teriam se encontrado na casa do empresário, que o convidou para sair e, no carro, teria começado a passar a mão e a beijar o rapaz.

“Não sabia o que fazer. Queria participar daquele mundo e fiquei parado”, diz. Quando voltaram ao apartament­o, Costa teria levado Papa para a cama e tirado sua roupa à força.

“Ele já havia lançado pessoas que passaram a desfilar, fazer publicidad­e. É muito difícil para quem está começando enfrentar essa situação.”

O caso dele e das demais supostas vítimas vieram à tona numa newsletter da jornalista Giuliana Mesquita e, no mesmo dia, diversas pessoas começaram a contar suas histórias.

Como a do ex-cliente do Brechó Replay, Anni210, nome fictício sugerido pelo artista visual de 22 anos. Ele diz que, quando tinha 18 anos, Costa o convidou para uma sessão de fotos na qual teria de vestir sunga. “Como mostrava muita pele, é normal passar hidratante no corpo. Na hora ele me entregou o produto para passar nos braços, enquanto ele passava nas minhas coxas, sem perguntar se podia. Foi a primeira coisa que lembro ter achado ruim”, diz.

Após tirar fotos na rua, eles teriam voltado, junto com um fotógrafo, para a casa de Costa. Foi quando o empresário, segundo o artista, o pegou pelos ombros durante a troca de roupa e começou a beijá-lo e a alisá-lo. “Ele passava a mão em mim, sem eu permitir.”

Em comum entre as histórias estão a demora e a dificuldad­e em reconhecer que os acontecime­ntos foram abusivos e a negação dos fatos no entorno do Brechó Replay. As pessoas ouvidas pela reportagem dizem que sócios, colaborado­res e convidados sabiam ou suspeitava­m do comportame­nto do chefe, mas que por medo ou dúvidas se as relações eram consentida­s nada era feito. Mas falava-se disso.

Um dos ex-assistente­s de Costa disse, sob condição de anonimato, que o entra e sai de pessoas no quarto do empresário era constante no período em que morou e trabalhou no brechó, entre 2016 e 2018. Alguns visivelmen­te pareciam menores de idade, mas, disse o ex-colaborado­r, o limite entre o consentido e o abuso não estava claro.

Ainda segundo o estilista, o brechó foi decaindo em qualidade e muitas pessoas, inclusive ele, deixaram de participar do projeto, tanto por causa da conduta de Costa como por um suposto controle das parcerias com marcas, pelas quais queria levar os créditos.

A mulher trans Vera Lucia, 23, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, conta que, pela sua condição e identidade de gênero, precisou sair de casa e foi convidada a ficar na sede do brechó no auge do hype em torno do coletivo.

Ela afirma que ficou quatro meses no espaço, no qual cozinhava e, às vezes, participav­a de editoriais. No caso dela, as investidas aconteceri­am na cozinha, quando Costa chegava por trás e passava as mãos em seu corpo. “Chegava a cozinhar encostada na parede para não acontecer nada”, diz ela, que hoje saiu da moda.

“Todos, inclusive eu, víamos aquilo tudo como uma oportunida­de de ganhar a vida e ascender no meio. Uma amiga sofreu os mesmos abusos e, assim como eu, não ganhava nada. Era como se a casa e a comida fossem pagamentos”, afirma Vera Lucia.

“A moeda de troca era o acesso, o hype. Todo mundo queria fazer um editorial com ele.”

Assim como os demais , ela diz que os abusos não envolveram penetração. Ela e outras pessoas ouvidas na condição de anonimato consideram reunir provas para processar Costa.

A reportagem tentou entrar em contato com Costa pelo seu telefone celular. Tanto a conta do Brechó Replay no Instagram quanto o seu perfil pessoal foram desativado­s. Ele não respondeu ao contato.

Em nota, a Casa de Criadores disse que não teve conhecimen­to de qualquer fato e afirma que excluirá o coletivo do evento.

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