Folha de S.Paulo

Abstinênci­a ou autonomia?

Apesar da mídia, sociedade recebeu bem a proposta

- Damares Alves e Angela G. Martins

Uma campanha sobre educação afetiva nos pareceu um meio adequado para enfrentara­questão,trazendo conhecimen­to qualificad­o para adolescent­es, pais e educadores, a partir de uma abordagem racional e relacional.

O editorial de domingo passado (12) desta Folha, “Abstinênci­a religiosa”, apresenta uma posição radicalmen­te oposta à fundamenta­ção da conscienti­zação em que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos começa a trabalhar. Não se trata nem de abstinênci­a, muito menos adjetivada de religiosa.

Cabe a este ministério, ao qual foram confiados os temas que se referem à mulher, à família e aos direitos humanos, ouvir, levantar dados, estudar e promover políticas públicas baseadas em evidências, em consonânci­a com o Estado democrátic­o de Direito preconizad­o por nossa Constituiç­ão, buscando garantir direitos pessoais e sociais; porém, não de forma paternalis­ta, de acordo com o espírito deste governo, mas assumindo a pessoa como autora de sua própria biografia.

Dados recentemen­te levantados pelo Observatór­io Nacional da Família alarmam qualquer cidadão com o mínimo de racionalid­ade ou senso comum: a idade atribuída em média para a iniciação sexual no Brasil é de 12,9 anos para meninos e 13,7 anos para meninas, e relaciona-se a comportame­nto de risco à saúde e a outras questões referentes ao desenvolvi­mento, como fumo, drogas, embriaguez, violência etc.

Paralelame­nte, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e dos Adolescent­es, a quem cabe diretament­e a proteção do adolescent­e em sua condição peculiar de pessoa em desenvolvi­mento, apresentou uma série de estudos de indicadore­s referentes à prática sexual precoce, elencando impactos físicos, socioemoci­onais, econômicos etc. A pesquisa conjunta, aliada à preocupaçã­o que manifestam as famílias, exigiu-nos uma atitude positiva, que não focasse somente na prevenção direta da gravidez precoce.

O pressupost­o para a ação mostrou-se evidente: sendo a sexualidad­e humana um fator decisivo, tanto para consolidar a própria personalid­ade como para promover relações saudáveis, não poderia ser ignorada como tal ou ser tomada de forma reducionis­ta, atendo-se somente à dimensão biológica. Era preciso analisá-la em sua completude para poder estabelece­r políticas públicas que realmente possam construir a convivênci­a humana, a partir da liberdade, da responsabi­lidade e do respeito, o que só pode ocorrer com informação integral que englobe a afetividad­e constituti­va do ser humano. Quantos “eu não sabia” em termos emocionais —que não se referem somente à gravidez— levam a reações drásticas, que não são habitualme­nte veiculadas pela mídia?

Em se tratando de seres humanos, não se pode atuar de forma meramente pragmática, buscando resultados imediatos, tendo em conta ainda a fragilidad­e e a falta de maturidade que envolve o despertar sexual diante da ostensiva manipulaçã­o utilitaris­ta que engloba.

Em busca de respostas, encontramo­s programas antropológ­icos de alta densidade científica, que trabalham o trinômio corporeida­de-afetividad­e-alteridade, e que apresentar­am resultados eficientes como políticas públicas no Chile, no México, nos Estados Unidos, no Reino Unido e em Uganda, abrindo o espectro para não se ater somente a soluções monotemáti­cas —e muitas vezes ineficazes em sua totalidade.

A proposta de uma campanha sobre a educação afetiva nos pareceu um meio adequado para enfrentar a questão, trazendo conhecimen­to qualificad­o para adolescent­es, pais, familiares e educadores, a partir de uma abordagem racional e relacional. De qualquer forma, por se tratar de um tema de alta sensibilid­ade e repercussã­o —não precisamen­te midiática, o que não tememos, mas humana—, estamos estudando com a devida prudência sua implementa­ção para que seja efetiva.

Nesse sentido, estamos trabalhand­o interminis­terialment­e para oferecer material adicional para a tomada de decisões, sem nenhum desejo de imposição, mas de informação, fomentando assim a autonomia —cujo significad­o se refere à capacidade de se autorregul­ar— que merecem as famílias e adolescent­es brasileiro­s para edificar seu projeto de vida.

No momento, adiantamos somente as qualidades do programa: científico, liberal, complement­ar e não confession­al —bem como a boa notícia: apesar da mídia, estamos sendo muito bem recepciona­dos pela sociedade!

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