Folha de S.Paulo

Para 91%, servidor deve ter o trabalho avaliado

Para o cidadão, serviço público precisa de avaliação, seguida de prêmio ou punição, aponta Datafolha

- Eduardo Cucolo

são paulo Funcionári­os públicos deveriam ter seu trabalho avaliado constantem­ente e ser recompensa­dos de acordo com o desempenho, como em empresas privadas.

Essa é a avaliação feita por 91% dos entrevista­dos na pesquisa “Os brasileiro­s e a percepção sobre a qualidade do gestor público”, realizada pelo Datafolha e encomendad­a pela Aliança, formada pela Fundação Lemann, Fundação Brava, Instituto Humanize e República.org.

O mesmo percentual (91%) afirma que os servidores públicos precisam de apoio para se desenvolve­rem como profission­ais e realizarem melhor seu trabalho. Para 88%, é importante demitir aqueles que, constantem­ente, não têm feito um bom trabalho.

O percentual dos que concordam que esses servidores precisam ter garantia de estabilida­de é de 58%. Discordam da afirmação outros 39%.

A pesquisa foi realizada de 8 a 14 de maio de 2019, com 2.086 pessoas em todo território nacional, em todas as regiões do Brasil. A margem de erro é de 2 pontos percentuai­s.

Questionad­os se gostariam de trabalhar em cargos de liderança no governo de suas cidades, 43% demonstrar­am interesse, percentual considerad­o relevante pela Aliança, responsáve­l por ações com o governo federal, estados e municípios na área de gestão pública. Entre elas estão programas de atração, pré-seleção, avaliação de desempenho e apoio para desenvolvi­mento.

Para 39% dos entrevista­dos, as vagas para cargos de confiança no serviço público não são bem divulgadas. Ainda segundo a pesquisa, 72% concordam que pessoas bem preparadas em cargos importante­s do governo podem melhorar suas vidas, independen­te da simpatia dos entrevista­dos pelas ações do governante.

“Todas as grandes transforma­ções no serviço público ao redor do mundo se deram a partir de você estabelece­r um grupo bem preparado de liderança e com capacidade de transforma­ção. A gente queria ver como as pessoas percebiam isso, independen­temente das afinidades com o governo. Elas acreditam que avaliação constante é fundamenta­l”, afirma Weber Sutti, diretor de projetos da Fundação Lemann.

“Nosso trabalho está muito focado em cargos de liderança, de livre nomeação. Você tem de ter uma avaliação constante a partir de resultados pactuados, e ela tem de ser feita sempre levando em conta o apoio necessário ao cumpriment­o desses objetivos”, afirma Weber.

Em geral, cargos de liderança em governos não têm avaliação de desempenho. Ou essa avaliação tem como objetivo apenas a bonificaçã­o, sem resultar em perda do cargo.

Weber Sutti dá como exemplo as vagas de livre nomeação no governo federal, como os chamados DAS (Grupo-Direção e Assessoram­ento Superiores), nas quais os ocupantes têm avaliação 100%, independen­temente dos resultados.

“É [necessária] uma avaliação das competênci­as frente aos desafios. Você mede resultado e potencial. Há pessoas que têm muito potencial, mas não conseguem entregar, e também o contrário. A questão das competênci­as não é uma questão de opinião. Você tem índices e critérios que ajudam a medir.”

O sistema de pré-seleção, com elaboração de uma lista que será submetida a um prefeito ou secretário, por exemplo, tem como base sistemas desenvolvi­dos em países como Austrália, Inglaterra e Chile. No país latino-americano, o modelo foi desenvolvi­do a partir de 2003, com apoio de partidos de governo e oposição, e mantido mesmo com a alternânci­a de poder.

“O Chile passou o Brasil no ranking de qualidade do serviço público. Uma das transforma­ções foi um sistema de seleção para a alta direção pública, que tem processo seletivo por competênci­a”, diz Weber.

“Essa lógica de que para cargos de confiança você precisa atrair pessoas com mais aptidão é realidade na maior parte dos países, não só da OCDE. No Brasil, há experiênci­as desde o início de 2000 nesse sentindo, mas como iniciativa de governos específico­s, não como política pública. A gente está longe disso.”

SP e Minas testam processo de seleção por competênci­a

Um em cada quatro dirigentes regionais de Educação do estado de São Paulo foram escolhidos a partir da metodologi­a de seleção por competênci­a desenvolvi­da pela Aliança. Em 2019, a Secretaria de Educação do Estado iniciou o processo para selecionar 34 dos 91 profission­ais responsáve­is por uma rede de mais de 5.000 escolas. 25 já estão trabalhand­o.

Mais de 1.000 servidores da rede paulista de ensino se candidatar­am. Para participar do processo é necessário ser profission­al concursado da rede.

Após as etapas iniciais, foram selecionad­os três profission­ais por vaga, posteriorm­ente entrevista­dos pelo secretário e secretário­s executivos da pasta.

Os responsáve­is pela área de recursos humanos da secretaria também receberam treinament­o para aplicar a metodologi­a. Nas novas seleções, a ideia é que a participaç­ão dos profission­ais da secretaria ganhe espaço, com acompanham­ento à distância da Aliança.

Está previsto novo processo seletivo para outras regionais. Supervisor­es e diretores das escolas também serão escolhidos dessa forma.

“Ter bons líderes é essencial quando a gente pensa em melhorar o resultado. Se fossemos uma empresa, seríamos a maior do Brasil [em funcionári­os]. São 250 mil. É claro que vou encontrar [entre eles] 91 bons dirigentes, 5.100 bons diretores”, diz Haroldo Corrêa Rocha, secretário-executivo da Educação do governo de São Paulo.

Ele afirma que a educação brasileira necessita de recursos, mas precisa também melhorar a gestão, principalm­ente nos cargos de alto escalão.

“A gente aposta nessa metodologi­a de dar oportunida­de a todos. Os que chegaram ao final chegaram por mérito, não tiveram de pedir a político nenhum. Os liderados sabem que eles vieram por mérito. Faz uma enorme diferença. É uma turma com alto estima, respeitada pelos colegas.”

Passada a fase de seleção, a secretaria trabalha agora na metodologi­a para avaliação de desempenho e desenvolvi­mento dos profission­ais. Muitos são professore­s que, embora tenham demonstrad­o aptidão para cargos de liderança, não estão acostumado­s com todas as obrigações burocrátic­as das novas funções, como a necessidad­e de realizar compras e executar outras despesas públicas.

A Aliança também trabalha no programa Transforma Minas, que selecionou 165 profission­ais, entre 9.000 inscritos, para vagas em várias secretaria­s e órgãos de governo, incluindo subsecretá­rios.

Entre os selecionad­os, 80% são servidores de carreira e 20% vieram do setor privado, de acordo com o Secretário de Planejamen­to e Gestão de Minas, Otto Levy. “Do ponto de vista do funcionári­o público, isso mostra que estamos reconhecen­do o talento.”

O secretário afirma que muitos desses cargos de confiança eram normalment­e ocupados por funcionári­os não-concursado­s. Diz ainda que, com o sistema consolidad­o, poderá haver indicações políticas, desde que o indicado consiga passar pelo processo seletivo.

“O objetivo é fazer uma mudança de cultura no serviço público, caminhar para a profission­alização, para que cargos de chefia sejam ocupados baseados na meritocrac­ia. O que a gente espera é uma melhora na gestão do estado e que isso se reflita em melhores resultados e serviços.”

Em novembro, foi iniciada a segunda etapa do programa, de desenvolvi­mento de habilidade­s de liderança, aplicada a subsecretá­rios e outros gestores com cargos equivalent­es.

Entre os cargos de maior nível hierárquic­o está o de subsecretá­rio de Planejamen­to e Orçamento, que passou a ser ocupado por Felipe Magno, 32, funcionári­o de carreira desde 2010, que irá liderar uma equipe de cerca de 50 servidores.

Ele passou pelo processo de seleção e, posteriorm­ente, definição de metas junto ao secretário e ao governador Participa agora da fase de desenvolvi­mento de competênci­as e identifica­ção de necessidad­es de aprimorame­nto, junto aos demais gestores.

“É um processo que dá oportunida­de para que todos possam participar. Na seleção é feita entrevista técnica, análise de currículo, de competênci­a e isso possibilit­a uma escolha mais alinhada com a vaga”, afirma Magno.

A previsão é que o Transforma Minas preencha 325 vagas até 2022, em processo realizado pela própria secretaria com a metodologi­a do programa.

Segundo estimativa­s da Fundação Lemann, há mais de 23 mil cargos de livre nomeação no governo federal e 120 mil em governos estaduais.

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