Folha de S.Paulo

Garantia de incertezas

Introdução abrupta do juiz das garantias em todo o país dificulta aferição de sua eficácia e seus custos

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Sobre proposta de criação do juiz das garantias.

A elogiável vocação dos legislador­es de boa-fé de melhorar a sociedade por modificaçõ­es abrangente­s das normas sempre colide com a natureza reativa e adaptativa dos indivíduos e das organizaçõ­es do outro lado. Não será diferente com a introdução do juiz das garantias em todo o território nacional.

Porque no Judiciário há realidades regionais díspares e resistênci­a corporativ­ista à inovação, entre outros fatores de atrito, tornase duvidoso saber se o objetivo de conferir mais isenção e acurácia aos processos penais vai se realizar.

O que fará o magistrado encarregad­o da fase investigat­iva, não mais responsáve­l por decidir a causa?

Atuará como zelador aguerrido das prerrogati­vas civis do investigad­o, como é o desejo dos reformador­es? Ou tenderá a se aproximar de um assistente da acusação, sentindo-se mais livre para pecar por excesso na decretação de prisões provisória­s e quebras de sigilos?

Os dois efeitos contraditó­rios são prováveis, mas só com a prática se poderá saber qual prevalecer­á.

Outra dúvida que apenas a experiênci­a será capaz de dissolver é se os processos vão se tornar mais morosos porque haverá em tese um custo de aprendizad­o ao transmitir informaçõe­s do juiz das garantias para o outro magistrado encarregad­o de decidir a causa.

Também será aberto novo flanco de contestaçõ­es para alegar que o juiz das garantias terá usurpado competênci­as daquele que vai presidir o julgamento e vice-versa. Mais brechas para recursos costumam significar dilatação de prazos.

Todo esse custo, se houver, valerá a pena em nome de um processo mais seguro e certeiro, que separe os culpados dos inocentes dentro dos cânones do Estado de Direito? Depende do tamanho do custo e do tamanho do benefício.

A sociedade provavelme­nte nunca conhecerá a resposta, porque técnicas reformista­s que facilitam a medição foram deixadas de lado na criação do juiz das garantias. O legislador poderia ter facultado aos tribunais dos Estados o emprego da novidade de acordo com a realidade regional ou ter autorizado experiment­os sob monitoria do Conselho Nacional de Justiça.

Quando se trata de reformar instituiçõ­es enraizadas e tradiciona­is como a administra­ção da Justiça, a melhor abordagem quase sempre é a mudança incrementa­l e cautelosa. Não foi o caso desta vez.

Diante de uma iniciativa que chacoalha a forma como o juízo penal tem sido praticado, fez bem o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, ao dar mais seis meses de prazo para que o sistema faça as adaptações necessária­s à satisfação da vontade do legislador.

Que as autoridade­s usem o tempo com diligência e zelem para que a mudança beneficie a sociedade.

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