Folha de S.Paulo

Bombeiros peneiram lama em Brumadinho

Militares examinam terra já seca em busca de 11 vítimas não achadas; 96% de 7 milhões de m² foram examinados

- Carolina Linhares

Diferentes aspectos podem servir para atestar a efetividad­e do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais em quase um ano de buscas pelas vítimas do rompimento da barragem B1, da Vale, em Brumadinho (MG).

Uma delas é marca de que 259 entre 270 mortos foram localizado­s; outra é que 96% dos 7 milhões de m² de área foram examinados a uma profundida­de de até 3 m. Ou ainda o fato de que os militares não pararam um dia sequer de trabalhar, nem no Natal, desde 25 de janeiro de 2019.

O comandante-geral Edgard Estevo, contudo, destaca um outro ângulo que para ele demonstra a maturidade e a confiabili­dade da corporação, além de respeito às famílias. “Ninguém, durante todo esse tempo, vazou foto de nenhum dos 854 corpos ou fragmentos encontrado­s”, diz à Folha.

Estevo não gosta de falar do assunto, mas ele também é um dos familiares: perdeu um primo na tragédia. Até dois meses atrás, o comandante, que assumiu o posto em 1º de janeiro de 2019, não havia revelado à corporação sua ligação pessoal com o desastre.

Por consenso com as famílias, os militares passaram a se referir às vítimas como joias —faltam 11 delas.

O relacionam­ento dos bombeiros com os parentes é intenso. Há reuniões semanais para prestação de contas e há o apoio vindo de cartinhas escritas por crianças, que ficam na base de operações.

A expectativ­a dos militares é encerrar as buscas somente após o resgate de todas as vítimas, ou até que o material recolhido não seja mais passível de identifica­ção por DNA —o que acontecer primeiro.

Os militares também cogitam encerrar a operação se, por um longo período, os fragmentos recolhidos diariament­e correspond­erem a identifica­ções já realizadas.

Os bombeiros, ao localizare­m vítimas, são os responsáve­is por marcar o local exato, fotografar o material, descrever sua aparência, ensacá-lo, etiquetá-lo e transportá-lo.

O desafio é justamente achálas. É cada dia mais difícil, não só pelo passar do tempo, que leva à decomposiç­ão, mas pelo período chuvoso, que começou em dezembro. A lama molhada praticamen­te anula o trabalho dos cães farejadore­s, tidos como um dos principais instrument­os para a localizaçã­o das vítimas.

Nessa época de chuvas, o efetivo, que é de 150 militares em média, foi reduzido para 90. A quantidade de fragmentos achados, que chega a quatro ou cinco por dia, caiu para um.

Como mostrou reportagem da Folha, parte do material está em estágio avançado de decomposiç­ão e não consegue ter o DNA extraído. De 854 amostras levadas ao IML, 81 tiveram resultado inconclusi­vo e 44 estão em tentativa coleta do material genético.

Além dos 68 cães, os bombeiros usam outros métodos, que variaram conforme a fase de buscas. Estamos na quinta fase, em que o objetivo é terminar de varrer a área do rejeito a até 3 m de profundida­de, porque 93% de tudo que foi encontrado estava nessa zona.

Para isso, escavadeir­as reviram o rejeito e o colocam em caminhões. Os bombeiros observam a terra enquanto ela cai na caçamba buscando fragmentos. A terra é levada a tendas montadas em meio à área atingida, que cobrem 15 mil m². Ali, é peneirada novamente.

O processo de revisar a terra por três ou quatro vezes, é chamado de fazer a dobra. Os bombeiros estão utilizando a própria estrutura da mina para peneirar a lama seca. A Instalação de Tratamento de Minérios (ITM), onde é feito o beneficiam­ento do minério, possui uma grade industrial, onde o material é peneirado.

A terra já analisada tem que ser disposta pelo Corpo de Bombeiros em qualquer local dentro da área de rejeitos —para depositar fora dela, é preciso licenciame­nto ambiental. Por isso, o vaivém de caminhões é intenso e perturba o sossego das comunidade­s vizinhas.

Na primeira fase da operação, nas primeiras 72 horas, o método para localizar corpos era bem diferente. A lama estava úmida, os bombeiros rastejavam e tateavam em busca de vítimas. O transporte do que era encontrado só era possível por helicópter­os.

Nesse período, os militares resgataram 195 pessoas às margens da área atingidas, algumas ilhadas pela lama. Menos de dez foram retiradas do terreno enlameado com vida.

Em quase um ano de operação, não houve acidente de trabalho com os bombeiros. Esse é outro motivo de satisfação para o coronel Estevo. “Não tivemos acidentes nem quando, nos primeiros dias, 36 helicópter­os voavam num mesmo raio de 20 km”, diz.

Embora os bombeiros sejam considerad­os heróis de Brumadinho, o comandante afirma que o resultado deve-se principalm­ente à integração com a Polícia Militar, Polícia Civil e Defesa Civil —que ele espera que se repita.

Nos dias seguintes ao rompimento, os representa­ntes de cada instituiçã­o apareciam juntos nas entrevista­s e respondiam por suas funções. A união era tanta que, na primeira semana, em uma das vezes em que a reportagem da

Folha ligou para o chefe de comunicaçã­o da PM, quem atendeu o telefone do colega foi o comandante da Defesa Civil.

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Alexandre Rezende/Folhapress Cartas de apoio enviadas aos bombeiros na base de apoio na área atingida pelo rompimento da barragem, em Brumadinho (MG)

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