‘Luanda Leaks’ detalha elo com África além de PT e Odebrecht
Reportagens revelam relação entre Brasil, corrupção em Angola e paraísos fiscais
O “Luanda Leaks”, ou as explosivas revelações feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) sobre os negócios internacionais de Isabel dos Santos, confirma algo que todos aqueles que acompanham ainda que remotamente a política angolana suspeitavam: é o seu vínculo familiar com o longevo ditador José Eduardo dos Santos, e não o seu talento de empreendedora, que está na origem da sua bilionária fortuna.
Os artigos publicados pelos diferentes veículos também nos ajudam a entender melhor dinâmicas ainda pouco conhecidas da história recente de Angola e das relações entre Brasil e África no século 21.
Primeiro, as reportagens trazem novos dados sobre as dinâmicas da transição de poder de José Eduardo dos Santos para João Lourenço em 2017.
A informação de que Isabel dos Santos começou a esvaziar as contas da principal empresa do país, a Sonangol, por meio de transferências de milhões de dólares para Dubai, imediatamente depois de ter sido indicada pelo seu pai, sugere que a angolana não tinha como objetivo salvar a empresa da ruína, como ela própria argumenta, mas, sim, assegurar o futuro da família depois da saída do seu pai da presidência.
Esse plano de fuga visava a transferência de ativos angolanos para contas privadas controladas pela família Dos Santos, que poderiam ser administradas a partir de paraísos fiscais na Europa ou em Dubai —em todo caso, bem longe de Luanda.
A revelação desse esquema sugere que a família estava ciente que o seu controle absoluto da política angolana estava chegando ao fim. Isso coloca em causa a narrativa da traição de João Lourenço: inicialmente indicado para governar protegendo os interesses da família Dos Santos, ele teria se virado contra seu criador.
Estudiosos do MPLA, o partido no poder desde a independência, terão de desvendar se, afinal, Lourenço não era apenas um “poste” de Dos Santos, mas uma escolha de consenso para a família presidencial e os diferentes clãs do partido, cada vez mais insatisfeitos com os rumos do governo.
Em segundo lugar, o artigo da Agência Pública sobre as atividades dos sócios de Isabel dos Santos na Paraíba joga luz numa nova dimensão das relações entre Brasil e Angola, quase sempre monopolizada pela ligação entre o PT e a Odebrecht.
As investidas de membros da elite do governo de Angola no Brasil são bastante conhecidas. Já houve escândalos com figuras de topo do regime angolano no país.
No entanto, a impressão geral era de que a elite do MPLA preferiria a segurança jurídica e política de Portugal, porta de entrada para o mercado financeiro europeu, e de Dubai, eleito melhor paraíso fiscal pelos cleptocratas do Sul Global. A reportagem derruba esse mito e revela uma curiosa ramificação entre o estado da Paraíba, membros do corrupto governo angolano e paraísos fiscais ao redor do mundo.
Menos de 24 horas depois do lançamento dos Luanda Leaks, a vida de Isabel dos Santos já começou a mudar. As principais empresas citadas nos artigos, como a auditoria PwC, já anunciaram sua ruptura com ela. A organização do Fórum Econômico Mundial em Davos, que sempre gostou de apresentá-la como um ícone do capitalismo africano, cancelou sua participação no evento deste ano.
O distanciamento de grandes empresas e figuras midiáticas que, durante mais de duas décadas, alimentaram o mito da empreendedora africana servem apenas para confirmar uma das principais afirmações do ICIJ: a relação com empresas conceituadas e celebridades internacionais não era apenas um capricho, mas um elemento fundamental na ascensão de Isabel dos Santos.
Ela nunca teria acumulado tanto poder sem a cumplicidade ativa de parceiros portugueses, britânicos, suíços e asiáticos. A corrupção política é invariavelmente um fenômeno global com raízes locais.