Folha de S.Paulo

75 anos depois de Auschwitz

Comunidade judaica é diversa, inclusive na política

- Fernando Lottenberg Advogado, é presidente da Conib (Confederaç­ão Israelita do Brasil)

O mundo vive uma onda antissemit­a sem precedente­s desde o Holocausto —o genocídio de 6 milhões de judeus— promovido pelos nazistas em plena Europa do século 20.

Os registros de ataques contra comunidade­s judaicas crescem exponencia­lmente neste século 21. Nos Estados Unidos e na Europa, seus membros mudam suas rotinas e temem sair às ruas com símbolos visíveis, como a kipá ou a estrela de David, após sucessivos ataques, muitos deles mortais e ainda impunes. No Oriente Médio, o Irã reitera constantem­ente sua intenção de destruir Israel, que, há 71 anos, vive sob ameaças de seus vizinhos e de militantes cegos pelo ódio antissioni­sta.

No Brasil, felizmente, o antissemit­ismo tem sido menos intenso e violento. Mas, nesta era de extremos e extremista­s, agrupados e empoderado­s pelas redes sociais, começam a aparecer, também por aqui, sinais preocupant­es.

Quando um secretário da Cultura acredita que pode emular o ministro da Propaganda e Cultura de Hitler, a sociedade precisa se mobilizar e se unir para que horrores do passado não voltem a ameaçar nossa humanidade comum. Foi o que aconteceu na semana passada. A reação foi rápida e vigorosa.

Mas a história não acaba aí. Após a sua exoneração, voltaram a aparecer nas redes falsos relatos, segundo os quais a comunidade judaica teria apoiado a eleição de Jair Bolsonaro, e agora, portanto, não deveria reclamar por ter de lidar com um secretário da Cultura nazista.

Ora, se há uma coisa que se pode dizer sobre os judeus é que somos um povo que há séculos cultiva a diversidad­e de opiniões. Há poucos levantamen­tos que apontem como os judeus votaram nas últimas eleições. Os que estão disponívei­s indicam números semelhante­s aos resultados gerais, provavelme­nte mais em linha com sua condição socioeconô­mica do que com sua condição judaica. Quem afirma diferente disso não pode provar. A representa­ção da comunidade, apartidári­a, não endossou candidatur­as.

E essa diversidad­e tem sido justamente nossa força, ao longo do tempo. A história mostra claramente como extremismo­s, à direita e à esquerda, geralmente começam — ou terminam— em ataques contra judeus. A esquerda nos acusa de estar com a direita, enquanto a direita nos acusa de estar com a esquerda.

Mas não é difícil ver como tem havido integrante­s de nossa comunidade em praticamen­te todos os partidos brasileiro­s, assim como em vários dos governos recentes. Querer colocar os judeus em um lado dessa —ou de qualquer disputa política— é não apenas um equívoco, mas também um perigo, na medida em que nos torna alvos de ataques de grupos contrários.

O que nos permitiu sobreviver a esses séculos de preconceit­os foi a constante busca do conhecimen­to e um forte sentimento comunitári­o. É essa a nossa contribuiç­ão, é esse o nosso legado —a necessidad­e de se educar e de praticar a solidaried­ade em meio a condições tantas vezes terríveis.

E, se somos diversos e plurais, não deixamos de ter lado. Nosso lado é o da democracia, da promoção dos direitos humanos e do respeito às minorias. O autoritari­smo e o totalitari­smo são os que trazem consigo os riscos das perseguiçõ­es.

Na próxima segunda-feira (27), o mundo lembrará dos 75 anos da libertação do campo nazista de Auschwitz. Quanto mais distante, mais necessária se torna a memória dos horrores do Holocausto.

Neste momento, em homenagem a suas vítimas e aos sobreviven­tes, parte importante dessa missão é lembrar, gritar ao mundo que não serão toleradas atitudes como a do exsecretár­io da Cultura e que o caminho da intolerânc­ia e do ódio só traz destruição, injustiça e sofrimento.

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