Folha de S.Paulo

Garantia do juízo de garantias

Escolha deverá obedecer a normas democrátic­as

- Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco Advogado, é conselheir­o seccional da OAB-SP e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Sergio Moro vem colecionan­do derrota após derrota. Entre tantas, no bojo de seu autoritári­o e felizmente desidratad­o pacote anticrime, lhe foi impingida pelo Congresso e sancionada pelo seu presidente a criação do juiz das garantias.

O juiz das garantias é aquele que controla a legalidade do inquérito policial, que zela e procura garantir a lisura das investigaç­ões levadas a efeito pela polícia e pelo Ministério Público (órgão que jamais poderia investigar, registre-se). É este magistrado, e não mais aquele que virá a ser o juiz da ação penal, se ela for proposta, quem passará a decidir sobre prisões cautelares, afastament­o de sigilo fiscal, bancário, telefônico, telemático e buscas e apreensões, dentre outras atribuiçõe­s cautelares inerentes à investigaç­ão.

Finda esta, o Ministério Público, se convencido da existência de crime e de indícios de autoria, oferece denúncia —peça que inaugura a ação penal. O juiz das garantias deixa sua jurisdição, remetendo os autos para o juiz que, a partir de então, dará marcha ao processo até a sentença.

O instituto é moderno e vale observar que já vem sendo aplicado com sucesso nos Estados Unidos, em Portugal, na Espanha, na Itália, no Chile e entre outros países.

Essa bipartição de funções judiciais é velha demanda dos processual­istas —sua criação estava em discussão no Senado desde 2009— porque traz maior isenção e maior imparciali­dade ao juiz que decidirá o mérito da ação, garantindo um resultado mais justo e consentâne­o com a Constituiç­ão Federal.

Diversos organismos de peso festejaram a criação do juiz das garantias: OAB, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Associação dos Juízes Federais do Brasil, Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais e Associação Juízes para a Democracia, entre tantos outros.

Em meio à celebração, contudo, aspecto prático dos mais graves, exemplific­ado pela jurisdição exercida em São Paulo, merece observação para que seu ponto deletério não contamine todo o Judiciário brasileiro, desvirtuan­do a nova legislação.

Na capital paulista, há mais de 30 anos, funciona o Dipo (Departamen­to de Inquéritos Policiais), que conta com 13 juízes. Na prática, parece um juízo de garantias. É de lá que saem decisões judiciais em inquéritos.

O Dipo é o órgão jurisdicio­nal responsáve­l, no curso da investigaç­ão, pelo deferiment­o ou não de medidas cautelares invasivas que demandam do magistrado um sopesament­o entre cautela, necessidad­e e direitos e garantias fundamenta­is do cidadão.

Ocorre que os 13 juízes são escolhidos a dedo pela chefia. Ou seja, sendo a cúpula do Judiciário pouco garantista, teremos sempre um juízo de garantias composto por magistrado­s pinçados entre os menos garantista­s, em total afronta à lei e ao princípio do juiz natural.

A fim de evitar essa tragédia, é necessário que os tribunais do país inteiro estabeleça­m normas internas claras, democrátic­as e imparciais para o preenchime­nto das vagas destinadas à judicatura ora criada.

Apenas um exemplo à guisa de sugestão: abrem-se vagas para juiz das garantias; os interessad­os se inscrevem; e os mais antigos na carreira são escolhidos.

Garantida estará a imparciali­dade, razão de ser da garantia ora adotada.

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