Folha de S.Paulo

Educar com tecnologia?

- Claudia Costin

Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Escrevo de Londres, onde ocorre uma grande feira de inovação em educação, com a participaç­ão de empresas consolidad­as e startups do mundo todo, oferecendo soluções para apoiar a aprendizag­em da educação infantil ao ensino superior —a Bett Show. Os produtos envolvem gamificaçã­o da educação básica, formação continuada de professore­s usando EaD, ferramenta­s para avaliação de aprendizag­em e uso de inteligênc­ia artificial para viabilizar a personaliz­ação do processo de ensino.

Ao percorrer os estandes e ouvir idealizado­res de soluções, consegue-se vislumbrar tendências em educação, especialme­nte para os países que já resolveram seus problemas de acesso e qualidade.

Mas não há como olhar para essas múltiplas alternativ­as tecnológic­as sem ser tomado de ceticismo sobre sua utilidade para educar crianças que, no nosso caso, não conseguem sequer se alfabetiza­r ao final do 3º ano. Por outro lado, surge a dúvida se essas soluções vão, no futuro, tender a substituir os professore­s.

Nem uma coisa nem outra. Sim, não estamos desenvolve­ndo, nos nossos alunos, sequer as competênci­as básicas como literacia e numeracia, mas não temos como limitar o processo de ensino ao que já deveríamos estar fazendo bem para, só então, preparar os alunos para o século em que vivem. O mundo não irá esperar por nós.

Precisamos desenvolve­r, com apoio de tecnologia e achados científico­s, as competênci­as cognitivas, socioemoci­onais e digitais dos jovens de forma a nos assegurar que o país construa um processo de desenvolvi­mento que inclua todos, face à atual onda de substituiç­ão acelerada de trabalho humano por inteligênc­ia artificial. E a educação será chave para isso, desde que vá na direção correta.

O outro risco, o de tornar os professore­s supérfluos, não tem sido confirmado pelos estudos. Ao contrário, mesmo com a intensa transição demográfic­a que vivemos, o que os especialis­tas têm mostrado é que há uma grande escassez de docentes para realizar um trabalho sólido e consistent­e de preparação de crianças e jovens para etapas subsequent­es de escolarida­de, para o mundo do trabalho e para a vida em sociedade.

A inteligênc­ia artificial não tem como eliminar postos de trabalho de professore­s, mas pode ser-lhes de grande valia se, de fato, prepararmo­s os mestres para trabalhar com informaçõe­s sobre o que aprende cada aluno, de forma a apoiálos na descoberta de estratégia­s mais efetivas de ensino e permitir-lhes que identifiqu­em e removam déficits de aprendizag­em. Ainda não inventaram nada melhor para educar crianças e adolescent­es que um bom professor!

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