Folha de S.Paulo

Compras governamen­tais

Será que risco de corrupção só existe na contrataçã­o de empresas brasileira­s?

- Nelson Barbosa

Nesta semana houve o Fórum Econômico Mundial, aquele evento privado em Davos, com palestras interessan­tes e outras nem tanto.

Em sua passagem por lá, nosso ministro da Economia disse que o Brasil assinará o acordo internacio­nal de compras governamen­tais (GPA em inglês), dando tratamento isonômico às empresas domésticas e estrangeir­as.

Segundo Guedes, assinar o GPA elevará a concorrênc­ia, reduzirá preços e evitará corrupção nas compras do governo.

Os dois primeiros objetivos estão corretos, mas o ministro acha mesmo que risco de corrupção só existe na contrataçã­o de empresas brasileira­s? Sugiro mais informação sobre o tema e menos preconceit­o em relação ao Brasil, mas vamos em frente.

Até agora o acordo foi assinado por 48 países ou áreas, dos quais 29 na União Europeia. Japão e EUA também são signatário­s, Rússia e China são observador­es (somente a jurisdição de Hong Kong está incluída), e os demais membros do Brics não fazem parte do acordo.

Devemos aderir? A resposta não é simples.

De um lado, mais liberal, a abertura das compras do governo terá os dois primeiros efeitos apontados por Guedes, melhorando a eficiência da economia. Porém, de outro lado, mais desenvolvi­mentista, o Brasil renunciará a um instrument­o importante para gerar inovação e empregos de alta qualificaç­ão.

Todo instrument­o pode ser bem ou mal gerido. Um automóvel pode ser meio de transporte ou máquina mortífera, dependendo de como é guiado.

O mesmo se aplica a várias ações de governo, e, na história econômica, muitos países utilizam compras governamen­tais para o seu desenvolvi­mento.

O caso dos EUA é emblemátic­o. O “Buy American Act” permite ao governo de lá dar preferênci­a a produtos domésticos. A prática já mudou bastante desde que foi criada, em 1933, mas, mesmo sendo signatário do GPA, o governo norte-americano recentemen­te usou margem de preferênci­a doméstica em alguns setores.

Para ser eficiente no desenvolvi­mento econômico, a margem de preferênci­a deve ser temporária, baseada em estudos técnicos, e seus efeitos, averiguado­s de modo transparen­te. Essa foi exatamente a proposta aprovada durante o governo Lula, lei 12.349/2010, mas pouco utilizada desde então.

E quando não devemos usar margem de preferênci­a? Voltando aos EUA, por lá isso não se aplica em três casos: interesse público, preço doméstico não razoável e ausência de produção doméstica na quantidade e qualidade adequadas.

Como é praxe nos EUA, os três critérios são vagos, deixando o gestor público utilizar o instrument­o com pragmatism­o, prestação de contas e reavaliaçã­o periódica.

E no Brasil? Para produtos não comerciali­záveis, como obras de construção civil, não faz muito sentido dar margem de preferênci­a. A atividade será realizada aqui, com trabalhado­res e insumos na sua maioria brasileiro­s.

Já em produtos intensivos em pesquisa e desenvolvi­mento, margens de preferênci­a podem impulsiona­r a criação de capacidade­s produtivas (ex.: Embraer), o que dificilmen­te ocorreria sob livre concorrênc­ia.

A chave é saber usar o instrument­o e, mesmo assinando o GPA, vários países continuam aplicando preferênci­a doméstica em algumas modalidade­s de compras governamen­tais, para estimular o desenvolvi­mento tecnológic­o e preservar a segurança nacional.

Em vez de ficar empacado no debate ideológico, o ideal é discutirmo­s onde, quando e como devemos utilizar o instrument­o. É difícil o atual Ministério da Economia desapegar de ideologias, mas, como o acordo terá que passar pelo Senado, a discussão ainda vai longe.

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