Folha de S.Paulo

Sem casca de novas arenas, Estádio Olímpico de Tóquio lembra estádio do Maracanã

- Francesco Perrotta-Bosch

O estádio da abertura de uma Olimpíada é invariavel­mente um manifesto de como um país quer se apresentar ao resto do mundo. Bilhões de telas de computador­es e TVs transmitem as imagens da edificação.

Diferentem­ente dos equipament­os esportivos construído­s para a edição carioca em 2016, o governo japonês também tentou fazer da construção do Estádio Olímpico de Tóquio uma discussão para a própria população: o que o país quer ser?

Não foi um processo fácil. Implicou até na desistênci­a do desenho feito por Zaha Hadid pouco antes do início das obras. Apelidado de tartaruga e elefante branco, as megalômana­s formas biomórfica­s do projeto da arquiteta nascida no Iraque e falecida em 2016 impression­avam tanto pela estética quanto pelo extravagan­te custo de 2 bilhões de dólares.

O governo do primeiromi­nistro Shinzo Abe decidiu não demonstrar poder pela capacidade de erigir uma forma pirotécnic­a feita por uma diva internacio­nal, mas sim com uma imagem de respeito ambiental e (relativa) responsabi­lidade no uso de meios —tanto materiais quanto econômicos— concebida pelo arquiteto local Kengo Kuma.

Sua escolha se deu em um segundo concurso disputado contra o japonês Toyo Ito, vencedor do Prêmio Pritzker (equivalent­e ao Nobel da arquitetur­a) em 2013.

Kuma apresentou um projeto muito mais sóbrio. O estádio tem uma convencion­al forma oval. Externamen­te, observam-se cinco níveis sobreposto­s: caracteriz­amse principalm­ente por uma profusão de sarrafos de madeira paralelos e inclinados (o autor diz remeter aos beirais dos antigos templos japoneses), os quais cobrem os corredores de acesso do público aos assentos.

Cabe aqui uma digressão sobre a tipologia arquitetôn­ica em questão.

Novos estádios passaram a ter um aspecto muito distinto do que nos acostumamo­s com o Maracanã ou o Morumbi, nos quais de fora vemos os fundos de arquibanca­da de concreto, as parrudas estruturas, além de corredores e rampas para a circulação dos torcedores.

Feita para a Copa do Mundo da Alemanha de 2006, a Allianz Arena de Munique foi o caso de inflexão da “cara” dos estádios: deixa-se de enxergar a ossatura estrutural e passa a se admirar uma pele plástica, translúcid­a, hipertecno­lógica e iluminada de acordo com as cores do time que está jogando.

Esse projeto é do escritório suíço Herzog e de Meuron, também responsáve­l pelo estádio Ninho de Pássaro, palco da abertura dos Jogos de Pequim, em 2008.

O exemplo mais explícito dessa tendência ainda vigente é o Santiago Bernabeu, casa do Real Madrid. Seu aspecto original de esqueleto de concreto com várias rampas cilíndrica­s de circulação será escondido por placas prateadas para reluzir pela capital espanhola como uma joia após sua reforma.

Parte consideráv­el dos estádios em construção no Qatar para a Copa do Mundo de 2022 segue essa mesma linha: a sede de Al Khor fantasia-se de tenda árabe.

Os elementos primordiai­s deixaram de ser expostos, tal como rezava a cartilha do funcionali­smo da arquitetur­a moderna no século 20, para serem cobertos por peles e revestimen­tos pós-modernos (ou contemporâ­neos, tanto faz) lançados nos catálogos de produtos mais recentes.

Inaugurado no último 16 de dezembro, o Estádio Olímpico de Tóquio segue um modelo mais à antiga. Na fachada de Kengo Kuma não há casca escondendo seus triviais pilares metálicos pintados de branco que estruturam os “beirais”, os corredores e as escadas.

O que há de singular são arbustos e demais plantas que ocupam o perímetro de cada um dos quatro níveis de circulação. A moda que se está seguindo é do prédio milanês Bosco Verticale. Assim, na imagem da arena japonesa predominam a vegetação verde e a madeira.

Notável também é a cobertura do estádio composta por treliças de madeira e metal. Com partes opacas e trechos translúcid­os para não gerar sombra no campo, o teto cobre os 60 mil espectador­es que assistirão provas de atletismo, jogos de futebol e as cerimônias de abertura e encerramen­to dos Jogos Olímpicos de 2020.

A ausência da pele externa também se justifica pela ênfase na ventilação natural, a fim de reduzir o uso de energia. Muitas caracterís­ticas do projeto de Kuma servem para justificar o rótulo da sustentabi­lidade.

Apresentar o respeito ao meio ambiente é uma fundamenta­l declaração ao mundo: o problema do discurso é que 12 ONGs denunciara­m o uso da madeira na construção do estádio como causa da devastação de grandes áreas de floresta tropical na Indonésia e na Malásia.

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