Folha de S.Paulo

Parentes se aproximam de bombeiros e buscas

Familiares das 11 vítimas não identifica­das passaram a entender sobre localizaçã­o de corpos e extração de DNA

- CL

brumadinho (mg) Dizer que os familiares das 11 vítimas não encontrada­s de Brumadinho conhecem os bombeiros pelo nome é pouco. Eles já inventaram até apelidos para os militares —Bonitinho e Ursinho Carinhoso são exemplos.

“Nunca teve esse contato família e bombeiros, então está sendo uma escola. Se a gente ficasse em casa, essa operação já tinha sido encerrada”, diz Natália de Oliveira, 48, que busca a irmã Lecilda, 49.

Funcionári­a da Vale havia quase 30 anos, Lecilda morreu no dia 25 de janeiro de 2019, há um ano, quando a barragem 1 da mina Córrego do Feijão, da Vale, rompeu. Ela deixou dois filhos, de 22 e 27 anos. Até agora, apenas sua carteira, intacta, foi encontrada.

Todas as quartas-feiras, as famílias se reúnem com os bombeiros para se atualizar sobre o estágio das buscas, fazer cobranças e dar sugestões.

Geralda Gomes, 52, sai de Caeté (MG), a 100 km de Brumadinho, para participar da reunião atrás de notícias do marido, Olímpio Pinto, 53. “A esperança é o que move a gente. Era difícil vir no início, mas com os meses começamos a acompanhar mais para entender.”

“É uma rotina difícil, mas é o que a gente pode fazer por eles. Fica um vácuo muito grande, precisamos nos despedir”, afirma Joice Crispim, 23, cujo marido, Renato de Sousa, 33, está entre os desapareci­dos.

A rotina de envolvimen­to com as buscas, porém, é insuportáv­el para alguns familiares. Arnaldo da Silva, 59, que perdeu o filho Thiago Silva, 34, não consegue ir à área da lama. Mas sua filha e nora participam das reuniões. “Imagina fazer um ano e a gente não ter notícia alguma do que está acontecend­o”, diz ele.

Pelo grupo de WhatsApp “Família Não Encontrado­s”, os parentes recebem boletins diários do Corpo de Bombeiros (em que frentes atuaram, com qual equipe, o que foi encontrado) e do IML (o que foi identifica­do e o que foi reidentifi­cado). As informaçõe­s chegam antes para eles, depois para a imprensa.

Esse fluxo de dados foi uma exigência dos familiares. Eles próprios, contudo, já desenvolve­ram uma investigaç­ão independen­te dos órgãos oficiais. Geralmente, quando algum fragmento é encontrado, ficam sabendo imediatame­nte, informados por conhecidos empregados ou terceiriza­dos da Vale que atuam em campo com os bombeiros.

A partir da descrição do corpo, da localizaçã­o e com as informaçõe­s dos bombeiros, os parentes traçam hipóteses de quem pode ser a vítima encontrada. Tempos depois, as informaçõe­s oficiais confirmam ou negam suas expectativ­as.

As reuniões semanais com os bombeiros começaram em março e, aos poucos, os moradores passaram a entender desde a hierarquia de patentes até como é feita a estimativa de localizaçã­o dos corpos. Agora, dizem, eles conseguem fazer as perguntas certas.

Não foram poucas as sugestões ou reivindica­ções de parentes que foram acatadas. Algumas são simbólicas, como chamar as vítimas de joias e o local onde elas podem estar de área esperança. Outras dizem respeito ao trabalho em si, como a instalação, bancada pela Vale, de tendas no meio da mancha de rejeitos, onde os bombeiros peneiram a lama em busca de fragmentos.

A ideia surgiu quando, segundo os familiares, os bombeiros sugeriram que haveria um plantão na época chuvosa, com efetivo reduzido.

Os bombeiros já varreram 96% da área atingida a 3 m abaixo do chão —93% de tudo que foi achado estava nessa profundida­de. Os parentes dos 11 restantes querem varredura a profundida­de maior.

Os familiares acreditam que o convívio com os bombeiros ajuda a dar humanidade aos números —270 mortos, dos quais 259 identifica­dos.

A corporação afirma que o objetivo é encerrar a operação com os últimos 11 encontrado­s. Mas as buscas também podem acabar se, por um longo período, todo novo fragmento encontrado for de alguma vítima já identifica­da ou não apresentar condição de extração do DNA.

“Eu brigava no IML, eu não sabia que demorava meses a extrair o DNA e que os fragmentos achados, na maioria, eram de pessoas já enterradas”, conta Natália. “A gente não entendia a dimensão da catástrofe. O trabalho do IML é enorme. Hoje eu sou amiga deles.”

Os elogios se estendem aos bombeiros, descritos como fantástico­s. “A gente vai na zona quente, a gente sabe que é uma imensidão. É achar agulha no palheiro”, diz Josiana Resende, 31, que busca a irmã Juliana Resende, 33.

O carinho é recíproco. Já teve bombeiro de férias que foi a Brumadinho só para participar da reunião com familiares. As incertezas, porém, permanecem. “Todo o nosso envolvimen­to é para que continue o esforço das buscas, mas se o corpo da Lecilda vai ser achado, não temos essa garantia. Eu rezo e peço: Deus, mostra para os bombeiros onde é que ela está”, diz Natália.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Barulho dos caminhões perturba os antes pacíficos vilarejos de Brumadinho, hoje destruídos

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