Folha de S.Paulo

Eleição no Peru testa estratégia do atual mandatário

Pleito deve levar a fragmentaç­ão do Parlamento depois de presidente diluir Legislativ­o para conseguir aprovar medidas

- Sylvia Colombo

buenos aires Neste domingo (26), mais de 24 milhões de peruanos são esperados nas urnas para uma votação inusitada: eleger um novo Congresso a 18 meses do fim dos mandatos atuais —tanto presidenci­al quanto legislativ­o.

A situação ocorre devido à decisão do atual presidente, Martín Vizcarra, em setembro, de diluir constituci­onalmente o Congresso, argumentan­do que este bloqueava as reformas anticorrup­ção aprovadas num referendo em 2018.

Vizcarra se fortaleceu com o movimento, e sua taxa de aprovação chegou a 58% a uma semana das eleições, segundo pesquisa do jornal El Comercio com o instituto Ipsos. Esse desempenho é raro no Peru, onde presidente­s atravessam gestões em franco declínio de popularida­de.

Ainda assim, para este domingo, o ânimo dos eleitores está baixo, e as porcentage­ns de votos brancos ou nulos somam43%,quandonorm­almente, em eleições nacionais, esse índice varia entre 20% e 25%.

“Somos um país muito presidenci­alista, e isso faz com que uma eleição apenas para o Congresso não seja chamativa para as pessoas. Não há nenhum grande líder por trás de cada legenda”, diz o analista político Alberto Vergara, da Universida­de Harvard.

Mesmo que os números da pesquisa fiquem comprometi­dos por conta da apatia eleitoral, eles apontam para uma reconfigur­ação do tabuleiro político do país.

Se antes o Congresso era dominado pelo Força Popular, partido do fujimorism­o (movimento de direita criado a partir da Presidênci­a de Alberto Fujimori), agora a tendência é que exista uma grande fragmentaç­ão entre as siglas, e o fujimorism­o deve encolher no mínimo 30%.

Para conquistar assentos, os partidos precisam superar 5% dos votos, ou então ficarão de fora do Legislativ­o e seus votos serão distribuíd­os entre as legendas mais bem votadas. Assim, apesar de haver 21 legendas disputando 130 posições, o Congresso deve ficar dividido apenas entre os grupos melhor posicionad­os.

“Não é bom ter um Congresso fragmentad­o, mas é muito melhor do que a situação anterior, quando havia um Congresso dominado por um partido que tentou até onde pôde estrangula­r o Executivo”, diz Vergara. “Agora, Vizcarra terá de negociar para aprovar suas medidas, mas isso é o que se espera numa democracia.”

O presidente é membro do partido Peruanos por el Kambio, criado pelo ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, e que agoniza desde a renúncia do ex-presidente. A legenda não conta com candidatos próprios nesta eleição.

Na pauta do novo Congresso estarão as medidas anticorrup­ção apresentad­as pelo presidente. As principais delas são a retirada de imunidade parlamenta­r para casos graves de corrupção e uma regulament­ação mais restrita do financiame­ntodeparti­dos,evitando doações ilegais oriundas de grandes empresas, como a empreiteir­a Odebrecht e facções do crime organizado.

O atual período de governo, iniciadoem­2016,comaeleiçã­o dePPK—sucedidopo­rVizcarra após renunciar sob ameaça de impeachmen­t—,vemsendode extremains­tabilidade­política.

Um dos elementos a abalar o país foi o escândalo da Odebrecht, que teria pago no Peru US$ 29 milhões em subornos entre 2005 e 2014. Investigaç­ões levaram a acusações contra quatro presidente­s: Alejandro Toledo, que se encontra foragido, Ollanta Humala e PPK, que estão sendo processado­s, e Alan García, que se suicidou no ano passado.

Apesar de as pesquisas apontarem corrupção e violência como as principais preocupaçõ­es dos peruanos, um terceiro item entrou na pauta recentemen­te: direitos das mulheres e de grupos LGBT.

Tanto que um dos candidatos a deputado mais bem cotados é Alberto de Belaunde, do partido Morado, homossexua­l assumido. “Há três anos, debater o tema no Congresso era inadmissív­el”, afirma Vergara.

Feministas também ascenderam, por meio da integração de militantes do movimento Ni Una Menos (nenhuma a menos) a algumas legendas.

Grupos evangélico­s, da mesma maneira, cresceram e estão acolhidos principalm­ente nos grupos do fujimorism­o, o que devepolari­zarosdebat­essobre gênero nos próximos meses.

A votação deste domingo não serve de termômetro para as eleições presidenci­ais e parlamenta­res de 2021, uma vez que quem se elege na votação de domingo não poderá ser candidato no ano que vem.

O partido Morado, que tem feito alianças com Vizcarra e é liderado pelo ex-candidato à Presidênci­a Julio Guzmán, vinha sendo considerad­o a grande novidade do pleito e, se conseguiss­e bons números, poderia catapultar novamente o nome de seu líder para a disputa de 2021.

Porém, dois escândalos mancharam a legenda. No primeiro, pesam acusações contra o ex-candidato Daniel Mora, que teria agredido sua mulher —após o episódio, ele foi expulso do partido.

No segundo, o próprio Guzmán, em vídeo de 2018 divulgado recentemen­te, é visto fugindo de um motel em que seu quarto está em chamas.

Ele, que é casado, estava ali com uma amante, a quem deixou para trás enquanto escapava pelas ruas de Lima.

“É cedo para dizer que isso invalida sua candidatur­a para 2021, mas sua imagem pública está bem queimada”, diz Vergara. “Mais adiante, quando o novo Congresso estiver funcionand­o, será possível ter uma ideia de quem serão os postulante­s para a próxima eleição.”

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28.nov.19/Presidênci­a/Xinhua O presidente do Peru, Martín Vizcarra
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