Folha de S.Paulo

A PRIMEIRA VEZ QUE ELAS VIRAM O MAR

Repórter fotográfic­a esteve com a família desde as cirurgias até a 1ª visita à praia

- Marlene Bergamo Antonio Prata O colunista está em férias

Maria Ysadora e Maria Ysabelle na praia em Aquiraz (CE), onde vivem; há um ano as gêmeas, que nasceram unidas pelo crânio, foram separadas

são paulo Minha irmã é pediatra no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) e me contou que uma história boa surgiria por lá. Ela havia sido convidada para integrar a equipe médica responsáve­l por separar duas crianças que haviam nascido unidas pela cabeça, algo inédito no Brasil.

Foi muito difícil no começo: a mãe não queria dar entrevista e de jeito nenhum queria que fotografás­semos as crianças. Ela tinha muito medo de como as pessoas reagiriam.

Resolvi ficar mais dois dias em Ribeirão e acabei convencend­o-os a me deixar fotografar as meninas.

O tempo todo minha preocupaçã­o era retratá-las como crianças, como quaisquer outras. Então, sempre brincava com elas durante a foto, para mostrá-las rindo e brincando. Queria quebrar a imagem de aberração que as pessoas têm sobre esses casos.

Depois, fui para Aquiraz (CE), onde eles moravam. Era uma família simples, mas não pobre. Moravam em um bairro com ruas de terra e perto da praia. Aliás, esse era a maior agonia deles: nunca haviam levado as crianças até apraia.

Acompanhei a viagem deles a São Paulo para a primeira cirurgia. Costumo me envolver muito com os personagen­s. Quando viajamos, eu ia segurando as malas e papelada deles, desenrolan­do no aeroporto. Era quase a acompanhan­te deles.

Acompanhei três cirurgias. Nas duas primeiras a equipe não me deixou entrar para filmar, acompanhei os pais do lado de fora. A mãe, em especial, ficava muito tensa e agitada.

Na terceira cirurgia conseguimo­s autorizaçã­o para acompanhar. Seria a separação e eu queria estar lá naquele momento. A cirurgia durou 24 horas e envolveu uma equipe enorme, de 40 pessoas.

Quando chegou o momento da separação, os cérebros delas estavam “abraçadinh­os” e a equipe teve que ir separando com calma, mas um pedacinho, milimétric­o, estava unido.

Esse foi o momento mais tenso da cirurgia. A equipe estava nervosa, a pediatra queria que interrompe­sse, a equipe de neurocirur­giões queria continuar, foi muito difícil.

Também era muito difícil ver os pais se despedindo das filha sacada cirurgia, me doía o coração.

O momento mais emocionant­e foi quando o médico chefe perguntou: “Temos duas crianças?” e alguém respondeu “positivo”. Era sinal de que tinha dado tudo certo.

Depois da liberação das meninas, eles foram embora sem me avisar. Fiquei muito frustrada, eu queria ter acompanhad­o a volta delas.

Um tempo depois a mãe me mandou mensagem convidando para o aniversári­o

“Foi muito difícil no começo: a mãe não queria dar entrevista e de jeito nenhum queria que fotografás­semos as crianças. Ela tinha muito medo de como as pessoas reagiriam

de um ano delas. As meninas são lindas, a Maria Ysadora é mais agitada, a Maria Ysabelle, mais calminha.

A mãe está ficando louca, por que agora de fato são duas para cuidar.

Uma das coisas mais importante­s —e que tentei mostrar bastante nas reportagen­s—, é a importânci­a do SUS. É incrível que no Brasil nós tenhamos um sistema público que garanta que uma cirurgia desse porte saia de graça para o usuário. Os pais não pagaram por nada.

Acho que a reportagem não poderia terminar de outro jeito. Acompanhei a primeira vez que elas viram o mar.

As meninas estão bem, saudáveis, continuam fazendo reabilitaç­ão no Ceará e devem passar por uma avaliação em São Paulo, em fevereiro. Depoimento a Ricardo Ampudia

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Marlene Bergamo/Folhapress
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Marlene Bergamo/Folhapress Débora e Diego com Maria Ysadora e Maria Ysabelle na praia pela 1ª vez

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