Folha de S.Paulo

O inacreditá­vel governo Bolsonaro

Gestão tem méritos, ainda que haja incoerênci­as

- Catarina Rochamonte Doutora em Filosofia, professora do curso de Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil, vice-presidente do Instituto Liberal do Nordeste e autora de ‘Um Olhar Liberal-Conservado­r sobre os Dias Atuais’ (ed.Chiado)

Os apaixonado­s seguidores do atual presidente não acreditam que ele seja capaz de nada ruim; já os seus adversário­s não acreditam que ele seja capaz de nada bom. Sendo assim, trata-se de um governo inacreditá­vel. É inacreditá­vel, por exemplo, a caricata peça exibida por Roberto Alvim, mimetizand­o Joseph Goebbels, o chefe da propaganda da Alemanha nazista, assim como inacreditá­veis são as desculpas do secretário e mesmo o fato de o governo ter tido um secretário de Cultura tão sem noção. Todavia, embora seus adversário­s não acreditem, o governo Bolsonaro tem méritos.

Citemos, de início, algumas áreas em que o governo merece reconhecim­ento: na econômica, a boa equipe do ministro Paulo Guedes vai construind­o o equilíbrio fiscal e recuperand­o empregos (recuperaçã­o lenta, mas é melhor caminhar devagar do que afundar ligeiro, como no governo de Dilma Rousseff); na segurança, o ministro Sergio Moro, com sua equipe, vai diminuindo significat­ivamente os índices de criminalid­ade. Também a ministra Damares Alves tem realizado um bom trabalho, apesar de ser constantem­ente assediada pela imprensa desde o dia da sua nomeação.

Vejamos algumas ações do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob a batuta da ministra que se adjetivou como “terrivelme­nte cristã” e que iniciou seu mandato em meio a polêmicas por usar a expressão “menino veste azul e menina veste rosa”, deixando os pregadores da ideologia de gênero à beira de um ataque de nervos. Damares Alves está desenvolve­ndo um trabalho de proteção a adolescent­es que inclui orientação para abstinênci­a sexual como forma de prevenir a gravidez precoce, mas os ideólogos da esquerda entendem que a atividade sexual precoce é uma conquista dos adolescent­es e combatem com muito vigor qualquer orientação que vá contra a permissivi­dade sexual. A ministra tem atuado para impedir que crianças indígenas continuem sendo assassinad­as pelos pais segundo sua estranha e cruel tradição, mas os antropólog­os multicultu­ralistas entendem que tais costumes infanticid­as devem ser preservado­s.

Em campanha, o presidente prometeu acabar com o viés ideológico, e hoje são muitos os que —até mesmo fora do âmbito da esquerda— reclamam de ter ele mantido, com sinal trocado, o tal viés. Mas que Bolsonaro atue por uma determinad­a linha ideológica é inelutável, porquanto qualquer governo tem um componente ideológico. Um exemplo de viés ideológico é o alinhament­o do governo atual com os Estados Unidos, uma democracia liberal, em contraposi­ção ao alinhament­o ideológico dos anteriores governos petistas com ditaduras. É bem verdade que Bolsonaro já reverencio­u ditaduras; porém, o fez em relação a ditaduras pretéritas, enquanto a esquerda cultua ditaduras pretéritas e presentes, com especial predileção por Cuba e Venezuela.

O combate à corrupção, porém, deveria estar acima de qualquer ideologia, mas, como se sabe, a esquerda petista, quando no governo, institucio­nalizou a corrupção no Brasil e a alargou além-fronteiras, montando o que talvez seja o maior esquema de corrupção da história. Em larga medida, foi através do discurso anticorrup­ção, colocando-se em sintonia com o simbolismo da Operação Lava Jato, que Bolsonaro conseguiu se eleger. Não obstante, o presidente faz hoje movimentos sinuosos para agir contra a atuação da Lava Jato sem parecer que o faça. Provavelme­nte, age assim para proteger o senador e filho Flávio Bolsonaro, que está sendo investigad­o pelo Ministério Público do Rio Janeiro.

De forma igualmente incoerente, o presidente sancionou o indecente Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões com a inacreditá­vel desculpa de que estaria “atrapalhan­do a democracia e o cumpriment­o da lei eleitoral com o veto”, o que obviamente não procede, visto que o presidente tem autoridade constituci­onal para decidir por quaisquer vetos, tanto quanto o Congresso Nacional a tem para derrubá-los. Na minha terra isso se chama “desculpa amarela.”

O governo atual é realmente inacreditá­vel, mas a esquerda brasileira não deixa por menos.

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