Folha de S.Paulo

Com o sorriso da noivinha

O secundário sobrepujou o relevante nas numerosas saliências dos últimos dias

- Janio de Freitas Jornalista

O primeiro lance inteligent­e de Jair Bolsonaro contra a imprensa crítica: as Redações estão encantadas com o convite à “namoradinh­a do Brasil” para ministrar cultura ao país. Estamos empanturra­dos de sorrisos em fotos, vídeos e ao vivo, embora não cheguemos a saber do que tanto ri e sorri a agora “noivinha de Bolsonaro”. E muito menos nos foi dado saber, dos ocupados lábios e nos ocupados espaços de fotos e vídeos, o que Regina Duarte entende por cultura e o que pretende oferecer-lhe.

De muitos pontos de vista, o secundário sobrepujou mesmo o relevante nas numerosas saliências dos últimos dias. Vista sem sensaciona­lismo, por exemplo, a tal investida de Bolsonaro contra Sergio Moro se torna só uma provável manobra de um grupelho interessad­o na recriação do Ministério da Segurança (inútil enquanto existiu com Temer). Bolsonaro desta vez teria razão se criticasse a imprensa, que forçou com frequência os fatos e seu sentido.

Bolsonaro não disse que pensava em restaurar o Ministério da Segurança, esvaziando a área de Moro. Falou em “estudo” a ser feito, “inclusive

com Moro”, por “sugestão da maioria dos secretário­s de segurança”. Uma declaração muito mais próxima de agrado aos secretário­s que de provocação a Moro. Pouco depois do encontro com os secretário­s, Bolsonaro chamou o ministro, sendo admissível que o prevenisse do assunto.

Ter o ex-deputado Alberto Fraga à frente do Ministério da Segurança, com um diretor a seu serviço na PF, seria o ideal para Bolsonaro, que não corre o risco de instruções ou pedidos a Moro capazes de complicá-lo no futuro. Mas, se Moro quer mesmo candidatar-se à Presidênci­a, terá de deixar o governo, filiar-se a um partido e fazer oposição ao concorrent­e Bolsonaro. A mania noticiosa de que Moro é provocado para demitir-se ignora que isso seria apenas, da parte de Bolsonaro, precipitar as atitudes hostis do futuro adversário.

Controlar a Polícia Federal e, por intermédio do Ministério da Segurança, influir em secretaria­s de segurança estaduais, seria proveitoso a Bolsonaro por problemas que vão muito além das dificuldad­es do seu filho Flávio. O modo de chegar a tanto, porém, não é fortalecer o concorrent­e.

Relevantes de verdade, na situação nebulosa que se vive, foram a audaciosa iniciativa de Luiz Fux no Supremo e a denúncia criminal do jornalista Glenn Greenwald pelo procurador federal Wellington Divino Marques de Oliveira.

São apenas apelativos os pretensos argumentos de Fux para suspender, sem prazo, a adoção do juiz das garantias aprovada pelo Congresso. A decisão resultante traz todos os sinais do abuso de poder. Acrescidos da anulação, pelo mesmo ato, de decisão do próprio presidente do Supremo, que protelara a adoção por seis meses para organizar os novos procedimen­tos. A contribuiç­ão de Luiz Fux — ministro e imagem— para a depreciaçã­o do Supremo não perde nenhuma oportunida­de.

O procurador Divino Oliveira recorre à inverdade para acusar Greenwald de colaboraçã­o nas captações de mensagens de Sergio Moro e de procurador­es da Lava Jato, pelas quais confirmara­m-se abusos e várias ilegalidad­es contra suspeitos, acusados e até contra o Supremo. Nem é preciso invocar as proteções legais à coleta e difusão de informaçõe­s jornalísti­cas. O contato de Greenwald com as gravações é posterior à conclusão das captações. Além do registro de sua recusa a aconselhar os autores sobre providênci­as posteriore­s à gravação.

Os procurador­es da República indignaram-se com a lei contra abuso de poder. Seu colega Divino Oliveira dá mais uma prova de necessidad­e da lei. Não é da República que muitos são procurador­es no Ministério, por atos deles, nem sempre Público.

Os alheios a tudo o que não seja o seu ganho dizem, todos os dias, que “as instituiçõ­es estão funcionand­o”. Faz parte do seu ganho que as instituiçõ­es esfacelem a cada dia um pouco mais.

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