Folha de S.Paulo

Justiça recorre a delatores para avaliar joias de Cabral

Donos das lojas H. Stern e Antônio Bernardo farão estimativa para leilão

- Italo Nogueira

rio de janeiro O juiz Marcelo Bretas, responsáve­l pela Lava Jato no Rio de Janeiro, decidiu recorrer a dois delatores para tentar solucionar a polêmica sobre a avaliação das joias apreendida­s na casa do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), em novembro de 2016.

Bretas solicitou que Roberto Stern e Antônio Bernardo avaliem as 40 peças que serão leiloadas pela Justiça Federal.

Os dois firmaram colaboraçã­o premiada após as investigaç­ões identifica­rem que suas respectiva­s joalherias, H. Stern e Antônio Bernardo, venderam peças sem nota fiscal para Cabral, que as usava para presentear a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.

O leilão estava previsto para ocorrer em 15 de agosto do ano passado. O juiz, contudo, cancelou o certame após a Folha revelar que o preço mínimo atribuído às joias pela Caixa Econômica era 78% menor do que o atribuído a elas pela Polícia Federal.

A PF estimou o valor das 40 unidades em R$ 2,07 milhões, com base em notas fiscais entregues por joalherias e pesquisa de mercado. A Caixa as atribuiu a soma de R$ 455 mil.

O juiz determinou uma nova avaliação por um joalheiro especializ­ado. Contratado para a missão, José Lopes de Alencar Júnior indicou um preço ainda menor para o lote: R$ 398 mil. Ele fez o cálculo com base no peso das pedras preciosas das joias —safira, esmeralda, tanzanita, rubi, entre outras. Ele não considera o design ou a marca da peça.

Prevendo a contraried­ade do magistrado, o leiloeiro Renato Guedes sugeriu uma média entre as três avaliações (PF, Caixa e Alencar Júnior) e de uma pesquisa de mercado feita por sua equipe na internet. O cálculo baixou para 60% o desconto a ser dado no preço mínimo do leilão.

O Ministério Público Federal sugeriu, então, que Roberto Stern avaliasse as joias que vieram de suas lojas. Bretas acatou a sugestão e determinou que Antônio Bernardo também analisasse aquelas vendidas por sua empresa.

Dados da Polícia Federal mostram que, do lote de 40 peças, apenas um relógio e um par de brincos foram fabricado pela H. Stern, e 18 joias, pela Antônio Bernardo. Outras 20 são de diferentes fabricante­s.

Stern já esteve na Caixa em novembro, mas sua avaliação ainda não foi divulgada. Já Bernardo deve ir ao banco até o fim do mês.

O valor de venda das joias e relógios vai depender dos interessad­os, que darão lances sucessivos para se obter o maior valor possível.

Ironicamen­te, pode estar nas mãos dos interessad­os no leilão a efetividad­e da tese de defesa de Cabral sobre o tema.

As joias foram apontadas como uma das formas do casal lavar o dinheiro obtido com propinas. Interrogad­o sobre o tema, Cabral negou o crime.

“Não se lava dinheiro comprando joias. [...] Vossa Excelência sabe que, quando são compradas e saem da loja, já saem sem o valor da vitrine”, disse Cabral.

Foi neste interrogat­ório, inclusive, que o ex-governador discutiu com Bretas ao mencionar o fato de a família do juiz ser dona de loja de bijuteria.

Essa fala, que indicou para o juiz o recebiment­o de informaçõe­s considerad­as indevidas a um preso, motivou sua transferên­cia para Curitiba, posteriorm­ente revogada.

Cabral foi condenado a 13 anos e quatro meses de prisão na ação que trata da lavagem de dinheiro por meio das joias —ele já soma quase 268 anos de prisão. Adriana Ancelmo, a dez anos e oito meses.

Desde o ano passado, Cabral decidiu confessar crimes como a cobrança de propinas. Também firmou acordo de colaboraçã­o com a PF, que está sob análise do STF (Supremo Tribunal Federal).

O ex-governador ainda não abordou a acusação de lavagem de dinheiro por meio de joias nos interrogat­órios com a nova postura. Há um recurso contra essa condenação no

Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).

Além das 40 peças sob avaliação, há outras 97 joias apreendida­s também no apartament­o do casal em dezembro de 2016, quando Adriana foi presa. Este conjunto valia R$ 2,9 milhões, segundo a PF —incluindo a peça mais cara arrecadada: um par de brincos em formato de flores com 24 diamantes cada um, avaliado em R$ 240 mil.

O Ministério Público Federal não incluiu esse lote no pedido feito à Justiça —o que deve ocorrer futurament­e.

Ainda que numerosas, as joias apreendida­s estão longe de serem as mais valiosas do casal. As autoridade­s não encontrara­m até hoje as mais caras, como o brinco espeto de turmalina com diamantes, que custa R$ 612 mil, e o anel de ouro amarelo com rubi, estimado em R$ 600 mil, os dois mais caros da lista.

Só na H. Stern e na Antonio Bernardo, o casal gastou R$ 6,5 milhões em joias.

O leilão tem como objetivo arrecadar fundos para o pagamento de multas dos réus.

A princípio, os valores ficariam depositado­s até uma decisão de última instância, mas o casal Cabral decidiu abrir mão dos bens para obter redução de pena. Assim, o dinheiro já pode ter a destinação determinad­a pelo juiz Marcelo Bretas.

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