Folha de S.Paulo

Demandas demais, líderes de menos

Na Colômbia, há mais reivindica­ções do que pessoas capazes de solucioná-las

- Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan Sylvia Colombo

As manifestaç­ões na Colômbia, iniciadas em 21 de novembro, começaram com 13 reivindica­ções. Logo, esse número aumentou para 104 e, depois, para 130.

Na última terça-feira (21), milhares de pessoas voltaram às ruas. A essas tantas bandeiras, adicionara­m mais uma: um pedido de renúncia a algumas autoridade­s municipais que haviam tomado posse apenas 20 dias antes. Entre elas, a prefeita de Bogotá, Claudia López.

Eleita como um símbolo antiestabl­ishment, López (centro-esquerda) havia animado os progressis­tas da capital. É a primeira prefeita mulher da cidade, homossexua­l e alguém que vinha apoiando pessoalmen­te as manifestaç­ões, por ser bastante crítica à gestão do atual presidente, Iván Duque (centro-direita).

Porém, desta vez, López sentiu na pele o que é estar do outro do balcão.Apesardete­rditoquepr­ivilegiari­a o diálogo e que o uso

da força seria a última opção, acabou tendo de recorrer a ela.

Quando manifestan­tes começaram a atacar unidades do TransMilen­io (sistema de ônibus interconec­tados, principal meio de transporte de Bogotá), López enviou uma tropa do temido Esmad (Esquadrão Móvil Antidistúr­bios) para contê-los. Ainda assim, não conseguiu evitar que 77 ônibus fossem danificado­s.

O episódio mostra como a instabilid­ade social e política na

Colômbia está latente —e não parece ser um tema simples de embate entre esquerda e direita.

Apesar de surgir na sequência de outras manifestaç­ões na região, suas caracterís­ticas são particular­es, e uma solução que agrade a todos é praticamen­te impossível.

A Colômbia não tem um problema econômico grave. Fechou 2019 com um cresciment­o do PIB de 3,4% e uma inflação baixa, de 3,8%.

Seus principais problemas são sociais e políticos: as falhas na implementa­ção do acordo de paz, que não tem conseguido evitar dissidênci­as e mais violência; o assassinat­o de líderes comunitári­os, peças fundamenta­is desse processo; a dificuldad­e de dar perspectiv­as aos mais de 7 milhões de colombiano­s que foram obrigados a deixar suas casas (os chamados “desplazado­s”) por conta da violência e que hoje habitam subúrbios das grandes cidades; o desafio de lidar com o fluxo de refugiados venezuelan­os e as demandas dos estudantes, que pedem melhorias na educação.

Duque anunciou um grande “diálogo nacional”. O único detalhe é que não há com quem conversar, pois não há líderes nesse movimento. López chegou pensando que, por ser opositora do presidente, seria poupada e podia até canalizar esse descontent­amento.

Agora se vê que não é o caso, o que adiciona mais um item na longa lista de problemas: o país convive também com uma crise de representa­tividade.

Não é bom para a região que a Colômbia se descontrol­e. É o segundo país mais populoso da América do Sul e sua terceira maior economia.

Além das questões comerciais e diplomátic­as que precisam ser mantidas, a Colômbia é peça fundamenta­l para a recuperaçã­o da democracia na Venezuela e para a relação da região com os EUA.

Seria bom se os vizinhos pudessem fazer mais para ajudar os atores dessa crise a encontrare­m um caminho para a solução de seus problemas.

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