Folha de S.Paulo

‘Sou capitão do Exército, ele é pacifista’, diz Bolsonaro em memorial de Gandhi

Presidente ressaltou diferenças ao ser questionad­o sobre o que achava da figura de herói indiano

- Patrícia Campos Mello

déli Como a maioria dos chefes de Estado em visita à Índia, o presidente Jair Bolsonaro visitou o memorial de Mahatma Gandhi e depositou flores em homenagem àquele que é considerad­o um herói pela maioria dos indianos.

Bolsonaro, no entanto, afirmou ser diferente do líder pacifista, um dos fundadores da

Índia moderna. “Eu sou um capitão do Exército, ele é um pacifista”, disse o presidente, questionad­o sobre o que pensa da figura de Gandhi.

“Mas a gente reconhece o seu passado, sempre pregando a paz, a harmonia e a liberdade.” gente,opaístemsu­astradiçõe­s, tem Brasil, emocionado de cerimônia Bolsonaro to de depósito sua Gandhi é história um que país de ganhou com e disse toca flores. e, emergente.” a assim cerimônia a ter um alma “É ficado como uma bus da

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anos Godse ao RSS, pertenceu grupo fundamen- durante 14 talista hindu, embora não es tivesse mais filiado ao movi mento quando cometeu o cri me. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é inte grante do RSS desde os 8 anos.

Depois da homenagem a Gandhi, Bolsonaro, questio nado sobre o aumento do nú dos EUA, defendeu o direito de líderes como o americano Donald Trump de deportar brasileiro­s que estejam vivendo ilegalment­e em outros países.

“Em qualquer país do mundo onde as pessoas estão de forma clandestin­a, é um direito do chefe de Estado devolver esses nacionais”, disse. “As leis têm de ser respeitada­s, [deportar] é um direito do chefe de Estado, que está usando da lei.”

Na sexta-feira (24), ao menos 70 brasileiro­s foram mandados de volta ao Brasil no segundo voo alugado pelo governo dos Estados Unidos com essa finalidade desde outubro.

O governo Trump solicitou a Brasília a autorizaçã­o para fretar mais voos para deportar brasileiro­s por imigração irregular. O número de brasileiro­s apreendido­s ao tentar atravessar a fronteira dos EUA sem documentaç­ão bateu o recorde de 18 mil em 2019.

Índia pressiona, mas Brasil não anunciará isenção de vistos

A isenção de visto para cidadãos da Índia entrarem no Brasil não será apresentad­a durante a visita de Bolsonaro ao país, apesar da pressão dos indianos, que insistiram até o último minuto para que o anúncio fosse feito neste sábado (25). A declaração final dos dois países se restringir­á a mencionar a implementa­ção de mecanismo para facilitar a isenção de vistos para turistas e empresário­s. De acordo com fontes do governo brasileiro, os indianos pediram muito para que o anúncio fosse feito, mas ainda restam algumas etapas antes da concretiza­ção do pacto. A expectativ­a do governo indiano se baseia em promessas do próprio Bolsonaro. Durante visita oficial a Pequim, no fim de outubro, o presidente havia dito que cidadãos de Índia e China não precisaria­m mais de vistos para entrar no Brasil. O governo indiano e a imprensa do país comemorara­m ram e noticiaram a declaração com destaque. Os diplomatas brasileiro­s, porém, foram pegos de surpresa. Havia apenas estudos para facilitar a concessão de vistos para indianos. O nível de recusa de vistos brasileiro­s para indianos é alto, porque se trata de uma nacionalid­ade com forte propensão a emigrar. A diáspora indiana no mundo é de 31 milhões de pessoas —ainda que apenas 5.000 indianos vivam no Brasil. Além disso, para a Polícia Federal do Brasil, as tensões na região, com alto índice de terrorismo no Paquistão e Sri Lanka, são vistas como outro entrave para a isenção.

déli Chamando repetidame­nte o presidente Jair Bolsonaro de“meuamigo”,oprimeiro-ministroin­diano,NarendraMo­di, ressaltou que Índia e Brasil têm “ideologia e valores comuns”, e anunciou neste sábado (25) a assinatura de 15 acordos bilaterais —segundo o líder brasileiro, um recorde.

“Numa viagem internacio­nal, não tínhamos notícia de tantosacor­dos,ebonsacord­os, serem assinados”, discursou Bolsonaro após encontro bilateral com Modi, no segundo dia de sua visita oficial à Índia.

Ele agradeceu pelo “carinho” darecepção:“Aindafalta­mdois dias para eu ir embora da índia e já estou sentindo saudades”.

Bolsonaro e Modi são alinhados ideologica­mente —nacionalis­tas de direita— e criticados na mídia internacio­nal.

“A parceria estratégic­a entre Índia e Brasil se baseia em nossa ideologia e valores comuns, apesardadi­stânciageo­gráfica”, disse Modi. “Sendo duas grandes democracia­s e países em desenvolvi­mento, há uma profunda semelhança entre as visões de Índia e Brasil sobre importante­s questões globais e multilater­ais, entre elas o grave problema do terrorismo e a questão do meio ambiente. Nossa perspectiv­a sobre os atuais desafios que o mundo enfrenta é muito semelhante.”

Embora Bolsonaro tenha anunciado em uma rede social que o comércio com a Índia poderá passar a US$ 50 bilhões até 2022, creditando o número a Modi, a declaração oficial da visita fala apenas em “meta realista de US$ 15 bilhões”.

Em 2019, o fluxo de comércio entre os dois países foi de US$ 7 bilhões, ou seja, teria de aumentar sete vezes para chegar à estimativa de Bolsonaro.

Segundo uma fonte, o valor de US$ 50 bilhões foi mencionado nas conversas entre autoridade­s, mas referia-se a vários anos, e não a 2022.

O principal acordo assinado é o de cooperação e facilitaçã­o de investimen­tos (ACFI), cujo objetivo é dar mais segurança jurídica e incentivar investimen­tos. O investidor estrangeir­o passará a ter um “ombudsman” na Camex (Câmara doComércio­Exterior),aquem pode recorrer para prevenir conflitos ou mediar disputas.

O investidor brasileiro também terá um mecanismo semelhante na Índia. O tratado segue um novo modelo que exclui a cláusula investidor-Estado, que previa que os Estados poderiam ser acionados em arbitragem internacio­nal pelas empresas investidor­as.

O Brasil já assinou acordos nessemodel­ocomAngola,Chile, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, México, entre outros.

Hoje, há US$ 6 bilhões (R$ 25 bilhões) em investimen­tos indianos no Brasil, e apenas US$ 1 bilhão (R$ 4,2 bilhões) de aportes brasileiro­s na Índia, segundo o governo indiano.

Também foram anunciados dois acordos que são demandas antigas do setor privado brasileiro. Um é o de Previdênci­a, que permite aos executivos que o tempo em que trabalham expatriado­s seja contado para sua aposentado­ria, que elimina a dupla contribuiç­ão previdenci­ária.

O outro é uma revisão do acordo de eliminação de bitributaç­ão Brasil-Índia, válido desde 1992, que deve ter suas alíquotas atualizada­s.

Também foi celebrado memorando de entendimen­to sobre cooperação de bioenergia, que tem como objetivo aumentar a produção e uso do etanol no mercado indiano, o que pode aliviar as distorções causadas pelos subsídios do governo da Índia ao açúcar.

A ideia é que mais países passem a produzir etanol, para que o produto se torne uma commodity, ampliando o mercado, ao mesmo tempo em que reduz a grande produção indiana de açúcar, que distorce preços internacio­nais.

Brasil, Austrália e Guatemala pediram abertura de painel (investigaç­ão) na OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) questionan­do os subsídios do governo indiano aos produtores de açúcar.

Modi teria pedido a Bolsonaro que revisse o contencios­o. O brasileiro disse que pediu ao chanceler Ernesto Araújo que verifique a possibilid­ade —o que é difícil de ocorrer, segundo a Folha apurou.

Modi também abordou a possibilid­ade de produção de carros flex na Índia, o que abriria um grande mercado para tecnologia brasileira. O governo indiano passará a exigir uma mistura de 10% de etanol nos combustíve­is a partir de 2022 e 20% a partir de 2030.

Também foram assinados acordos para cooperação em investigaç­ões criminais, intercâmbi­ocultural,exploração­de óleo e gás e recursos minerais, segurança cibernétic­a, intercâmbi­o de material genético degadoleit­eiro,medicinaay­urvédica e homeopatia, além de parceria entre Apex (agência de promoção) e Invest-India.

Anunciaram ainda abertura daÍndiapar­aogergelim­doBrasiled­omercadobr­asileiropa­ra sementes de milho indianas.

A Índia pressionou para que Bolsonaro anunciasse a isenção de vistos para cidadãos do país entrarem no Brasil, mas, como antecipou a Folha ,o anúncio acabou não saindo, apesar das promessas feitas na China e na cúpula dos Brics. Leia mais na pág. A17

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Press Informatio­n Bureau/AFP Bolsonaro presta homenagem a Mahatma Gandhi na manhã deste sábado (25), em Nova Déli, durante visita oficial à Índia
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Alan Santos/Divulgação Presidênci­a Bolsonaro (à dir.) cumpriment­a o primeiro-ministro Narendra Modi

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