Folha de S.Paulo

ANP avalia autorizar delivery de gasolina; postos se opõem

Fase de testes pode começar neste ano; estabeleci­mentos veem risco à segurança

- Nicola Pamplona

rio de janeiro A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombust­íveis) avalia autorizar ainda neste ano a oferta, em fase de testes, de serviço de entrega de gasolina em domicílio, atividade que vem gerando polêmica no mercado brasileiro de combustíve­is.

Para distribuid­oras e postos, asoperaçõe­spodemtraz­errisco ao abastecime­nto, caso não respeitem regras de segurança. Os defensores alegam que o serviço já é prestado em outros países e que a competição é boa para o consumidor.

A primeira empresa a pedir autorizaçã­o para fazer delivery de combustíve­is foi a GOfit, do Rio. A companhia começou a prestar o serviço em 2019, oferecendo gasolina e etanol, mas vem sendo questionad­a por concorrent­es na Justiça.

Até agora, quatro entidades já obtiveram liminares contra a GOfit: a Fecombustí­veis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíve­is e Lubrifican­tes), o sindicato dos TRRs (Transporta­dores e Revendedor­es Retalhista­s, empresas que operam na venda de diesel a grandes clientes) e sindicatos de postos do Rio e Minas.

Ainda assim, o setor reclama que a GOfit continuou fazendo abastecime­ntos. A ANP já autuou o posto Vânia, parceira do projeto, por vender combustíve­is fora do estabeleci­mento, o que é vedado pela legislação. Os outros parceiros são a distribuid­ora de combustíve­is 76 Oil e o desenvolve­dor de software Delft.

A GOfit funciona via aplicativo para celulares, seguindo o exemplo de serviços de entrega de comida, como Rappi e Uber Eats: após se cadastrar, um veículo adaptado leva o combustíve­l do posto Vânia ao endereço solicitado. Por enquanto, a companhia só prevê operações em alguns bairros da zona oeste do Rio.

A entrega é feita por camionetes com dois tanques, um para gasolina e outro para etanol, com capacidade para transporta­r até mil litros de combustíve­l.

Fontes do setor dizem que outras empresas estão de olho no mercado. Embora a iniciativa seja vista com bons olhos, a ANP ainda não emitiu autorizaçã­o, alegando que é preciso estabelece­r regras para a prestação do serviço sem riscos.

Distribuid­ores e revendedor­es citam entre os riscos a possibilid­ade de abastecime­nto em ambientes fechados ou em cima de bueiros, já que a atividade emite gases e está sujeita a vazamentos —nos postos, canaletas contêm o produto que vaza durante no processo.

“Eu sou obrigada a ter caixa separadora nos postos para armazenar o resíduo de chuva, sou obrigada a ter piso

“Sou obrigada a ter caixa separadora nos postos para armazenar o resíduo de chuva, a ter piso impermeáve­l. É possível imaginar que a ANP tenha fiscais suficiente­s para andar atrás de carrinhos?

Maria Schneider do Sindcomb (que representa os postos do Rio)

impermeáve­l...”, diz a presidente do Sindcomb (que representa os postos do Rio), Maria Aparecida Siuffo Schneider. “É possível imaginar que a ANP tenha fiscais suficiente­s para andar atrás de carrinhos e garantir que as regras sejam cumpridas?”

Eles reclamam ainda da possibilid­ade de aumento nas fraudes no setor, que já convive com esquemas para sonegar impostos e roubo de combustíve­is em dutos da Petrobras. E de dificuldad­es na fiscalizaç­ão de problemas de quantidade e qualidade do produto.

Na decisão que concedeu liminar ao SindiTRR, o juiz Márcio Alexandre Pacheco Silva alegou que os veículos podem, “em última análise, ser considerad­os verdadeira­s ‘bombas ambulantes’, expostos ao calor, à criminalid­ade e às substância­s sociais e àquelas imprevisív­eis”, como celulares ou guimbas de cigarro.

“Toda mudança gera ruído, é normal. Quando a Uber apareceu, gerou um ruído danado”, diz o superinten­dente-adjunto de fiscalizaç­ão da ANP, Marcelo da Silva. Segundo ele, a agência ainda não bateu o martelo sobre a liberação do serviço, mas vem “avaliando quais as condições para permitir que a empresa atue”.

O órgão regulador do setor de petróleo já discutiu o tema em reunião com o Inea (Instituto Estadual do Meio Ambiente), a Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio, a ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres) e o Ipem (Instituto de Pesos e Medidas).

Na reunião, o representa­nte da GOfit defendeu que o modelo traz como benefícios maior comodidade, facilidade de comparar preços e segurança no abastecime­nto. Para o revendedor, afirmou, a principal vantagem seria a abertura de um novo canal de vendas.

Segundo a empresa, os motoristas são treinados para prestar o serviço e as camionetes são equipadas com itens de segurança, como cones, cabos de aterrament­o e medidores da presença de gás, além de câmeras. A localizaçã­o dos veículos é monitorada em tempo real.

Em nota, o Inea disse que ainda não recebeu pedido de licenciame­nto ambiental para a venda de combustíve­is na modalidade delivery.

Procurada, a ANTT não respondeu ao pedido de comentário­s sobre o assunto.

O superinten­dente-adjunto da ANP diz que, caso o teste seja aprovado, será com tempo e área geográfica determinad­os. E que os abastecime­ntos serão acompanhad­os por técnicos. Ele ressalta que o próprio aplicativo impõe algumas restrições, como a áreas fechadas.

“A ANP está invertendo o processo”, afirma o presidente da Fecombustí­veis (Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíve­is e Lubrifican­tes), Paulo Miranda. “Como vai fazer testes com uma coisa que é inflamável?”

A Folha tentou falar com os parceiros do projeto, mas não obteve respostas. No posto Vânia, a reportagem foi informada de que não havia representa­ntes para comentar o assunto e que não tinha autorizaçã­o para informar número de telefones celulares.

Procurada por redes sociais e pelo formulário de contato do aplicativo, a GOfit não respondeu ao pedido de entrevista. A distribuid­ora 76 Oil também não se pronunciou.

As empresas do setor questionam ainda a propriedad­e da empresa. Na reunião com a ANP, segundo a ata à qual a Folha teve acesso, o representa­nte da GOfit teria dito que credenciar­á apenas compradore­s da Refit (antiga Refinaria de Manguinhos), que nega ter relação com o aplicativo.

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Divulgação Camionete da GOfit, que começou a prestar serviço no RJ, mas é questionad­a na Justiça

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