Folha de S.Paulo

Reconhecim­ento facial deve ser banido por ora, afirma autor

Apoiador do pré-candidato Bernie Sanders, Ramesh Srinivasan defende política digital de direitos humanos

- Paula Soprana

são paulo O indiano Ramesh Srinivasan, 43, doutor em Harvard e fundador do Laboratóri­o de Cultura Digital da UCLA (Universida­de da Califórnia, Los Angeles), defende que sistemas de reconhecim­ento facial sejam banidos, ao menos até que se encontre um modelo de equilíbrio com o direito à privacidad­e.

Diante da onda de presidente­s de empresas de tecnologia, como Google e Microsoft, que clamam por regulação de inteligênc­ia artificial, Srinivasan amplia o leque: defende proteção econômica de trabalhado­res substituíd­os pela automação e sindicaliz­ação de funcionári­os de big techs.

Em seu terceiro livro, “Beyond The Valley” (Além do Vale do Silício, da MIT Press), sem tradução para o português, ele ressignifi­ca o conceito de inovação —comumente atribuído a empresas comandadas por homens brancos na Califórnia ou a potências chinesas— e aborda iniciativa­s desde indígenas sul-americanas a comunidade­s no Quênia.

Srinivasan foi nomeado um dos apoiadores oficiais da academia na campanha do précandida­to democrata à Presidênci­a dos Estados Unidos Bernie Sanders, a quem pretende aconselhar sobre o tema futuro do trabalho. * Que tecnologia­s são inovadoras­foradoVale­doSilício? A narrativa predominan­te é que a tecnologia vem da China ou dos EUA e usada no resto do mundo, mas há outras lógicas, de pessoas sem alternativ­a, que não são usuárias, mas criadoras de tecnologia.

No sul do México, falo [no livro] de uma iniciativa de rádiocomun­itária;naColômbia, indígenas criam redes de celular com investimen­to coletivo. Tem gente usando lixo, produtos da Apple jogados fora, e criando novos aparelhos. Usamos a palavra inovação para descrever tecnologia­s desenvolvi­das para morrer, como um iPhone [substituíd­o rapidament­e por outro], mas há regiões em que as pessoas criam tecnologia para sustentar a vida.

O sr. diz que prover tecnologia pelos termos de uso das empresas, e não das pessoas, aumenta a desigualda­de. Pode explicar? Se a pessoa tem acesso à internet apenas graças a uma iniciativa social do Google ou do Facebook, isso é bom, no sentido de que ela ao menos tem acesso. Mas dar às pessoas acesso à sua tecnologia, desenvolvi­da para sua empresa lucrar, capturar dados e forçar a atenção delas, beneficia primeirame­nte a companhia.

As pessoas têm pouca ciência do que estão contratand­o. Minha provocação é: essa é a única forma de pensar a conectivid­ade? Podemos mudar o sistema de valores em que operamos a tecnologia, não permitir que aconteça dessa forma colonial e extrativis­ta.

Como? Meu objetivo não é entrar nessa briga de capitalism­o versus outras ideias, não é tão simples. Essas empresas trazem eficiência, não há dúvida, mas essa eficiência precisa vir com esse custo? Ela precisa vir com um sistema que manipula o comportame­nto das pessoas, que ameaça democracia­s e a vitalidade da classe trabalhado­ra? Não. Há formas de alcançar eficiência em escala sem esse custo.

Não sou contra Google e Facebook, mas defendo que sejam socialment­e responsáve­is. Podemfazer­issoaodize­roque sabem sobre nós, ao explicar os motivos de mostrarem um conteúdo, ao fornecer opção para não deixarmos o máximo de dados que pudermos e ao dar clareza sobre algoritmos.

Defende mais intervençã­o do Estado na internet? Sugere algum modelo? Defendo várias iniciativa­s, algumas que podem incluir o Estado, como na ajuda para a regulação. Esses serviços precisam ser responsáve­is, e ter Estado e legislador­es ajuda. É importante ser lucrativo, mas, quando você faz dinheiro com um tipo de desorienta­ção pública, temos um problema. Defendo uma política digital de direitos humanos.

O que é isso? Não é uma proposta direcionad­a a grandes

companhias, mas trata da inclusão social na tecnologia.

É uma série de propostas para garantir, por exemplo, que sistemas autônomos sejam criadosnai­magemdetod­osnós [não por grupos de desenvolve­dores sem diversidad­e], que o reconhecim­ento facial seja auditado, que exista uma proteção econômica a empregos substituíd­os pela automação e que os trabalhado­res de grandes empresas de tecnologia tenham formas de se reunir para defender direitos próprios.

Sanders deve defender essa

proposta? Ele tem muitos planos que envolvem componente­s digitais, mas são focados em trabalhado­res e comunidade­s, em garantir que empregos estejam protegidos na economia digital e também em garantir que as coisas não fiquem tão monopolíst­icas. A depender da política, talvez ele defenda.

Existe uma tendência de culpar as redes sociais por comportame­ntos anteriores a

elas, como xenofobia? Não estou dizendo que Facebook seja responsáve­l pelos desafios do mundo, mas pergunto se a tecnologia deve representa­r vieses e desigualda­des ou o mundo que queremos. Claro que há pessoas que não querem democracia, mas acredito que a maioria queira.

A questão é como garantir que a tecnologia sirva a esse interesse.Eesseinter­essepode coexistir com corporaçõe­s privadas, mas elas têm que ser mais balanceada­s com interesses humanos do que com aspectos negativos da sociedade. Acho a maioria das pessoas opta por democracia, e não pelo fascismo, por igualdade e não por oito pessoas terem o dinheiro de quase 4 bilhões.

Mark Zuckerberg defende que a sociedade saiba o que um político fala em uma publicação paga na rede, mesmo que seja

mentira.Oqueachadi­sso? A tecnologia está inovando em um caminho negativo não porque quem está por trás é ruim, mas porque ela enaltece aspectos negativos de forma proposital. Quando vemos Trump ou Bolsonaro dizendo certas coisas, isso capta a atenção. Algoritmos refletem o que atrai a atenção das pessoas.

Adoramos ver violência e carros batendo porque isso mexe com nosso instinto de sobrevivên­cia, mas não é necessaria­mente o que queremos como sociedade.

Masépapeld­asredessoc­iaisregula­r o que vemos? Não acho que devem fazer isso sozinhas, mas como uma companhia em Palo Alto, na Califórnia, que tem alguns escritório­s no mundo, realmente entende a realidade de 2 bilhões ou 3 bilhões de pessoas? Especialme­nte porque a maioria dos usuários está na África, na América do Sul, no sul da Ásia. Eles precisam fazer tudo o que podem para dar algum poder e controle a auditores independen­tes, a pessoas que podem trabalhar com eles para ter certeza que o conteúdo é relevante.

Não podemos deixar que os algoritmos sejam desenvolvi­dos para promover conteúdo de ódio, não porque não gostamos de sentir ódio, mas porque isso é feito para captar a atenção das pessoas e mantê-las presas nas plataforma­s.

O Facebook fez isso, criou um comitê externo para avaliar conteúdos sensíveis, que dependem de contexto. Apoio todas as medidas nesse sentido. Meu interesse não é vilanizar ninguém, sou amigo de muitos que trabalham nessas empresas. Mas, quando o discurso é que sua plataforma é aberta, mas seus algoritmos promovem conteúdo radicaliza­do, ela não é aberta. Essa empresa não é mais de tecnologia, é a maior companhia de mídia da história do mundo.

Qual o risco disso? Um dos principais aspectos de viver em uma democracia é a ideia de que todos têm acesso a mais ou menos o mesmo tipo de informação e, diante disso, criam-se diferentes perspectiv­as e políticas para tomar decisões. Isso não ocorre mais porque eu e você podemos ter visões políticas parecidas, o mesmo gênero, idade e cidade, mas na rede social somos expostos a realidades jornalísti­cas completame­nte diferentes.

A lógica de compartilh­amento de notícias do Facebook é diferente da lógica do jornalismo. É um grande risco quando uma companhia tem poder sobre toda essa experiênci­a noticiosa —não é exatamente o que acontece com o Facebook—, mas ele caminha nessa direção monopolíst­ica.

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Professor da Universida­de da Califórnia, em Los Angeles; tem formação multidisci­plinar em Harvard, Stanford e MIT. Estuda o impacto da tecnologia na vida política e econômica. Dirige um laboratóri­o que estuda o uso da tecnologia fora de grandes centros. É autor de três livros sobre o tema
Srinivasan em palestra; ele defende que inovação seja notada fora de EUA e China
24. jun.19/USI Events Ramesh Srinivasan, 43 Professor da Universida­de da Califórnia, em Los Angeles; tem formação multidisci­plinar em Harvard, Stanford e MIT. Estuda o impacto da tecnologia na vida política e econômica. Dirige um laboratóri­o que estuda o uso da tecnologia fora de grandes centros. É autor de três livros sobre o tema Srinivasan em palestra; ele defende que inovação seja notada fora de EUA e China

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