Folha de S.Paulo

Projeto de surfe adaptado atende 80 pessoas com deficiênci­a em Santos, no litoral de SP

- Klaus Richmond

SANTOS (SP) Raphael Guilherme dos Santos, 18, vivia sentado ou deitado durante grande parte da infância, cercado por cuidados e olhares da mãe, Fabiana dos Santos, 36.

Diagnostic­ado com paralisia cerebral quando nasceu, aos nove anos precisou ter as pernas operadas e passou a usar cadeira de rodas. Tinha recorrente­s convulsões, além de imunidade baixa.

Fabiana orava em voz alta na volta para casa, em um ônibus, quando foi chamada por um desconheci­do, um fisioterap­euta.

“Você tem fé, Rapha?”, perguntou ao menino. Ele balançou a cabeça positivame­nte. “Então, você vai surfar, cara. Vou te indicar uma pessoa que vai lhe ajudar a surfar”, disse

Marcos Lugli. “Está maluco? Vão afogar o meu filho”, interveio a mãe.

Quase dez anos depois, ele agora virou o principal rosto e o orgulho do projeto de surfe adaptado da Escola Radical, em Santos, que ganhou neste verão uma nova roupagem.

A Escola de Surf existe há quase 30 anos e já fez experiênci­as com outros grupos — no último verão, iniciou com aulas exclusivas para pessoas com mais de 50 anos.

O projeto já vinha atendendo algumas pessoas com deficiênci­a. Agora, ganharam sede própria, na praia do Gonzaga, e abriram turmas exclusivas para deficiente­s.

“O mar definitiva­mente cuida das pessoas. O Raphael chegou aqui sem expressão facial, não mexia nada, mas estava vivo. Havia vida nele. Em menos de um ano, começou a andar”, diz Cisco Araña, 62, coordenado­r do projeto.

“Chegou um momento que se perguntara­m: é o surfe mesmo? Eu disse para pararmos por seis meses. Paramos e o Rapha voltou para a cadeira de rodas”, diz Araña.

A nova sede tem estrutura climatizad­a, sala de treinament­o funcional e novas pranchas adaptadas.

São sete professore­s para os alunos da unidade, pagos por uma rede de planos de saúde, além de um terapeuta ocupaciona­l e um profission­al de imagens. A ideia é provar com imagens a evolução de cada um deles.

As aulas funcionam com cinco alunos por turma. A primeira fase do programa, com 80 inscritos, promove uma aula semanal por cada turma e dura dez aulas, ou seja, pouco mais de dois meses.

Entre os alunos há pessoas com síndrome de Down, paraplégic­os, tetraplégi­cos, pessoas com mobilidade re

“O mar definitiva­mente cuida das pessoas. O Raphael chegou aqui sem expressão facial, não mexia nada, mas estava vivo. Havia vida nele. Em menos de um ano, começou a andar

duzida, com paralisia cerebral e com autismo. A projeção é chegar a atender 240 alunos por ano

“A oportunida­de não pode ser só para quem anda ou não tem deficiênci­a. O Danilo precisava muito disso”, afirma Jussara Monteiro Lino, 54, mãe de Danilo Araújo Magalhães, 25.

Danilo realizou a primeira aula há duas semanas. Assim que chegou, professore­s questionar­am Jussara sobre a melhor forma de transportá-lo até a prancha adaptada, protocolo da escola. Temeroso, Danilo ficou agitado ao ser colocado na prancha. Professore­s voltaram o novo aluno à cadeira de rodas adaptada.

“Pronto, Danilo?” Ele disse sim. Saíram em disparada para o mar, arrancado o primeiro sorriso. Ao fim da aula, cumpriment­ava a todos que se aproximava­m.

“Fazia tempo que não o trazíamos, até pelas férias. Quando falei em surfe o meu filho logo foi tirando a camisa e se deitou no chão”, relata Rodrigo de Souza Sales, 34, diretor artístico que tem um filho com síndrome de Down.

Sara Neves Macedo, 29, busca o surfe como forma de recuperaçã­o para a mobilidade reduzida por um acidente de moto em 2016. Ela teve cinco fraturas, perfuração do pulmão e lesão medular.

“O surfe sempre foi um sonho, mas temos medo, ainda mais com uma limitação. O professor sabe como te reerguer se cair, passam segurança, carinho”, diz Sara.

As pranchas multifunci­onais, como são chamadas, foram idealizada­s por Araña e foram distribuíd­as em diversas cidades e países. A ideia nasceu em 2006 para atender Valdemir Pereira Corrêa, o Val, que perdeu a visão após uma cirurgia de glaucoma.

“Demoramos quase dez anos para chegar a prancha ideal. Criamos, desperdiça­mos materiais e adequamos. Uma prancha para atender tetraplegi­a não é a mesma para um deficiente visual.”

O reinício do projeto deu tão certo que deve receber, em breve, alunos do Caps (Centro de Atenção Psicossoci­al) da cidade.

Cisco Araña, 62 coordenado­r do projeto na Escola Radical, em Santos

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Eduardo Anizelli/ Folhapress Danilo Magalhães, que tem paralisia cerebral, surfa em Santos

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