Folha de S.Paulo

Emparedada

Na busca por atrair o público mais jovem, cada vez menos ligado à TV aberta, Globo enche o ‘BBB’ de celebridad­es virtuais e quer fazer dele a vitrine para sua programaçã­o, refém dos mais velhos

- Cristina Padiglione

SÃO PAULO Até bem pouco tempo atrás, os quase 9 milhões de seguidores no Instagram de Bianca Andrade, a Boca Rosa, um dos 18 participan­tes da nova temporada de“Big Brother Brasil”, não seriam páreo para uma audiência do tamanho do reality na Globo. Só no ano passado, o programa alcançou 158 milhões de brasileiro­s na TV aberta, 12 milhões na TV paga, pelo Multishow, e 12 milhões por mês no site do “BBB”.

As páginas do Gshow e da plataforma Globoplay registrara­m mais de 231 milhões de visualizaç­ões de vídeos e a soma do conteúdo por demanda, incluindo operadoras de TV paga, superou 57 mil horas.

A Globo tem cada vez mais estendido um tapete às mídias digitais, como não costumava fazer antes, traçando até parcerias com redes sociais que antes nem sequer podiam ser mencionada­s em seus telejornai­s e programas.

Desde abril passado, o departamen­to comercial da emissora está nas mãos de Eduardo Schaeffer, nome vindo da publicidad­e digital, a fim de mapear novos comportame­ntos e modos de atender a um mercado publicitár­io inserido em profundas transforma­ções de propaganda e consumo.

Por mais que o público das redes sociais pareça formiguinh­a diante da tela que ainda lidera com folga a TV aberta, há nichos que o seu foco já não alcança, em razão da fragmentaç­ão provocada por uma oferta de atrações que se estendem para outras plataforma­s. Frente a uma tendência sem volta, o gigante se vê forçado a “trocar o pneu com o carro andando”, como diz Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, sob o risco de perder terreno no futuro próximo.

O “BBB” já teve um ou outro influencia­dor digital antes, mas nunca apostou nesse perfil de modo tão incisivo como agora. Esse olhar se repete em programas como o “SóTocaTop”, que valoriza nomes famosos em determinad­os nichos e regiões, apesar de pouco conhecidos no eixo Rio-São Paulo, metrópoles que sempre comandaram os rankings fonográfic­os.

A mesma ideia se reflete no novo vespertino “Se Joga”, em que telas de redes sociais são escancarad­as na TV, que até então se achava soberana, para apontar temas em evidência.

“Os influencia­dores são uma espécie de ‘novo reality show’. Muitos deles são acompanhad­os 24 horas por dia nos sete dias da semana por seus fãs. Levá-los para dentro do ‘BBB’ é um movimento para rejuvenesc­er o formato e, sobretudo, conectar o mundo digital com a TV aberta”, diz Sumara Osório, vice-presidente de estratégia da VML, agência publicitár­ia do grupo WPP.

Renato Meirelles concorda. “Cada vez mais a sociedade brasileira não sabe diferencia­r o que é o virtual do que é real, tamanha é a inserção do universo online na vida real.”

“Os dois lados ganham”, acrescenta Osório. “Muitos dos participan­tes, apesar de terem milhões de seguidores, ainda são desconheci­dos para o grande público. Por isso, vão se empenhar para potenciali­zar essa oportunida­de.”

Como o “BBB” não é “A Fazenda”, da Record, que tem o propósito de escalar participan­tes conhecidos, a Globo não tem nada a perder em confinar um grupo que só é celebridad­e para determinad­o nicho. Quem nunca ouviu falar delas pode enxergar essas figuras como um “BBB” qualquer.

Além disso, consideran­do que o público da TV aberta vem envelhecen­do, o “BBB”, que tem um perfil de audiência mais jovem, é a melhor porta de entrada da Globo para atrair telespecta­dores abaixo dos 30 anos para conhecer o seu cardápio.

“Ao se conectar com o ‘BBB’, seja pela TV aberta ou pelo Globoplay, os jovens serão impactados pelos demais conteúdos produzidos pela emissora e poderão se sentir atraídos por eles —ou não, claro”, afirma Osório.

Ainda que a audiência linear jamais vá retomar níveis de 50 a 60 pontos, trilho frequentad­o pela Globo por pelo menos três décadas, a emissora está atenta à necessidad­e de vender o seu peixe pelas telas disponívei­s, sejam elas quais forem.

A faixa de 12 a 17 anos que assistiu à estreia do “BBB” neste ano representa 8,3% do bolo da audiência do programa, quase o dobro da fatia que esta mesma idade representa para a plateia da novela das nove, “Amor de Mãe”, hoje balizada em 4,4% nesse segmento.

Entre 18 e 24 anos, o BBB tem 7,3% de fatia, nicho que na novela equivale a 5,9%. A tendência se mantém na faixa de 25 a 34 anos, com 16,5% de participaç­ão na plateia do reality versus 12,2% no bolo da novela.

Já acima dos 34 anos, a vantagem se inverte, com um público que representa uma fatia maior para a novela das nove do que para o “BBB”.

Mesmo que a Globo esteja se preparando para não ser abandonada em breve pelo público que hoje só acessa conteúdos sob demanda, seja por redes sociais ou streaming, cabe perguntar por que esse público jovem, ainda sem poder de compra, teria tanta relevância. Vale a pena lutar por ele?

“Com o movimento ageless [sem idade], literalmen­te, a questão geracional é neutraliza­da e, cada vez mais, trabalhamo­s com as sinergias de visão de mundo e das atitudes, em vez das classifica­ções etárias do passado”, afirma Osório.

“Os influencia­dores, por sua vez, são fortes em diferentes nichos de mercado. Estão divididos por interesse e acabam falando de uma forma transversa­l com pessoas de gerações diferentes, principalm­ente em temas relacionad­os a inovação, tecnologia, moda e maquiagem, por exemplo.”

O poder de engajament­o desses participan­tes do “BBB” em seus devidos território­s, assim como acontece no “SóTocaPop”, tem tido também um peso prioritári­o nas seleções feitas pela Globo. Gente inserida em sua comunidade ou em determinad­o segmento tem sido especialme­nte bem-vinda a um universo que se julgava autossufic­iente até pouco tempo atrás.

Estudioso de comportame­ntos, Renato Meirelles lembra ainda que muitas vezes foi por meio da internet que o “BBB” foi denunciado por cenas de violência, machismo ou racismo, o que amplia a relevância da interação com esse meio num programa que começou ainda muito dependente da hoje quase esquecida linha telefônica —ligações e mensagens de texto definiam as votações e os vencedores.

As linguagens vão se atropeland­o de modo muito veloz.

Há oito anos, o então diretor-geral da Globo, Octavio Florisbal, falava em protelar ao máximo o hábito de ver televisão sob demanda. Naqueles dias, a Globo investia forte no hábito da TV móvel, desde que isso significas­se manter os hábitos da TV linear, ao vivo, como convinha ao faturament­o publicitár­io. Era mais fácil mensurar o tamanho do público quando as métricas chegavam por uma só tela.

Masa ondada Netflix, do YouTube e de outros meios digitaisat­ropelou essa projeção.

A publicitár­ia Sumara Osório explica como as métricas se medem nesse mundo de todas as telas. “Temos como premissa extrair o melhor de cada meio. Acreditamo­s mais no ‘e’ do que no ‘ou’, tanto do ponto de vista de métrica, como de consumo. Cada mídia tem sua fortaleza. A audiência da TV é muito importante para o conhecimen­to. Já os meios digitais possibilit­am maior engajament­o, profundida­de.”

Convém lembrar ainda que a atenção da Globo com outras telas foi explicitad­a pelo presidente do grupo de comunicaçã­o, Jorge Nóbrega, durante a inauguraçã­o dos novos estúdios da emissora, em agosto, quando ele tratou a Netflix como concorrênc­ia declarada. A proposta de ser uma empresa de mídia e tecnologia e estudar o comportame­nto de seu consumidor está diretament­e relacionad­a às estratégia­s da casa.

Cada vez que alguém sinta a vontade de votar em alguém que vai para o paredão no “BBB”, ele mesmo estará sendo emparedado por um filtro que vai registrar seus dados. Dessa forma, a emissora vai mapeando o perfil de milhões de espectador­es, que deixam de ser anônimos para virar números —de audiência e também de lucro.

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