João Figueiredo conduziu a transição em meio aos atentados da linha dura
SÃO PAULO É provável que nenhuma imagem de João Figueiredo no exercício da Presidência da República tenha tido tanta repercussão quanto a foto de Guinaldo Nicolaevsky, que ilustra esta reportagem.
Durante uma visita a Belo Horizonte, em 1979, o general tentou cumprimentar Rachel Clemens Coelho, de apenas cinco anos. Com surpreendente convicção, a garota cruzou os braços e não respondeu ao gesto do presidente.
A foto de Nicolaevsky foi vendida para agências internacionais e ganhou as páginas de diversos jornais do Brasil e de outros países. Logo se tornou um símbolo da luta contra a ditadura militar.
Não havia, porém, qualquer motivação política na recusa da menina em dar a mão ao presidente, como ela explicou em entrevista décadas depois. Na verdade, Rachel estava contrariada com os insistentes pedidos das pessoas ao seu redor para que cumprimentasse Figueiredo.
A cena clicada por Nicolaevsky é um dos destaques do 21º volume da Coleção Folha - A República Brasileira, assinado pelo historiador Pietro Sant’Anna. O livro sobre Figueiredo, que governou o país entre 1979 e 1985, chega às bancas no dia 2 de fevereiro.
É uma ironia que essa foto tenha se tornado tão famosa. O quinto e último presidente da ditadura militar era desbocado e não foram poucas as vezes que agiu publicamente de modo grosseiro.
No entanto, seus biógrafos e grande parte dos historiadores afirmam que Figueiredo era mais carismático e flexível que os generais que ocuparam o Palácio do Planalto nos anos anteriores.
Figueiredo, ao menos, tentou cumprimentar a menina, ato que não soaria natural se partisse de militares mais carrancudos como Emílio Médici.
O fato de ser mais conciliador que os antecessores não foi suficiente para o general carioca promover uma transição tranquila para o tão aguardado regime democrático.
Assim como havia ocorrido com Ernesto Geisel, Figueiredo teve que lidar com a indignação dos oficiais da linha dura do Exército. Inconformados com as medidas próabertura, esses militares realizaram uma série de atentados no começo dos anos 1980.
Em agosto de 1980, por exemplo, uma carta-bomba foi enviada ao escritório da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Rio de Janeiro, matando a secretária do presidente da entidade.
No livro, Sant’Anna lembra a oposição enérgica de Ulysses Guimarães. Para o deputado federal do PMDB, o governo Figueiredo era responsável pela “clamorosa impunidade de quase cem atentados”, numa referência às ações de terrorismo de Estado, em sua maioria não investigadas.
A economia tampouco foi bem. O país experimentou no período a chamada “estagflação”, combinação de inflação alta e estagnação econômica.
Figueiredo, enfim, entregou o poder aos civis, como tinha prometido, mas fez o que pôde para evitar eleições diretas para presidente. Para a satisfação do general, a bandeira das Diretas-Já saiu derrotada quando foi levada para a votação no Congresso.