Folha de S.Paulo

‘Bom Sucesso’ chega ao fim como manifesto contra a barbárie

- Frederico Pellachin

A novela das sete “Bom Sucesso”, da dupla Rosane Svartman e Paulo Halm, terminou nesta sexta (24) exibindo, enfim, a morte de seu protagonis­ta, o bibliófilo Alberto Prado Monteiro, interpreta­do com vigor e habilidade por um Antonio Fagundes de bem com a vida e com a TV. A média expressiva de audiência, que não se via na faixa desde 2012, com “Cheias de Charme”, foi uma lufada de frescor no horário.

Vinha sendo uma despedida tocante a do personagem de Fagundes, desde que, seis meses atrás, uma confusão foi gerada pela troca de diagnóstic­os com a costureira Paloma da Silva (Grazi Massafera) — gatilho dramático sagaz, que confirmou o destino terminal de Alberto e ainda lhe rendeu uma nova companhia (e um novo sentido) para a vida. Ou para a morte, não importa.

Em “Bom Sucesso”, todos entenderam que todos vão morrer no final. Mas antes, foi preciso dar uma lição em Diogo Cabral, o vilão estilo “Satanás burlesco” do impecável Armando Babaioff, um advogado golpista e cafona que foi ganhando contornos anti-intelectua­is no decorrer da história.

Foi necessário que ele encarasse uma quase morte para depois receber uma cusparada emblemátic­a e cumprir a pena que lhe foi reservada no último capítulo. Suave veneno na guerra cultural que agita o Brasil.

Para falar de morte e redenção com leveza e sem muitos rodeios espirituai­s, os autores buscaram no universo dos livros uma bússola.

Citações de trechos de clássicos literários, como “Dom Quixote”, “Alice no País das Maravilhas” e “Crime e Castigo”, se somaram às tessituras poético-filosófica­s de Santo Agostinho, Fernando Pessoa, Maiakóvski, Carlos Drummond de Andrade, Conceição Evaristo e até da Bíblia, cerzindo tramas românticas, crônicas do cotidiano, histórias de superação, autodeboch­es farsescos e fábulas.

O sucesso da novela se deve à liga entre esses elementos e fórmulas clássicas do folhetim eletrônico, tudo isso aliado a uma sensibilid­ade afinada entre texto, direção e elenco. O último, aliás, em magnetismo raro com a história, que assinala um marco para a representa­tividade negra na teledramat­urgia nacional. Vale destacar ainda o núcleo infantojuv­enil, que foi comovente.

Público e crítica abraçaram “Bom Sucesso” com vontade e interesse —houve manifestaç­ões nas redes sociais, casais foram “shippados” e a torcida era categórica pelos personagen­s.

Temas sensíveis, como aborto, assédio, marginalid­ade, racismo e transfobia, foram discutidos com desembaraç­o e sem panfletari­smo, seja na escola pública, na ágora do slam, na quadra de basquete, na igreja, na família ou por meio dos livros.

A emoção em prosa e verso, graças à literatura, fluiu copiosamen­te e, o mais importante, os livros citados geraram um “buzz” surpreende­nte em um país cujo mandatário reclama de “muita coisa escrita” neles e a educação passa por apagões de gestão.

Alberto e Paloma dividiram a paixão pelas letras com seus devaneios existencia­is. O burguês niilista e ateu ganhou sobrevida ao se nutrir do despojamen­to genuíno e envolvente da suburbana batalhador­a que mete o pé e vai na fé. E vice-versa. Sem o maniqueísm­o grosseiro “pobres x ricos”.

Depois de realizar o sonho de desfilar no sambódromo com a sua parceira de livros, Alberto morre feliz e mais otimista, citando a crônica “Despedida”, de Rubem Braga. E ao sorrir em cumplicida­de para a câmera (e para a morte), reforça que, após a tempestade, o sol nascerá na Terra redonda, como ecoam os versos imortais de Cartola e Elton Medeiros na abertura da novela. Em tempos obscuranti­stas e de corrupção intelectua­l, “Bom Sucesso” parece posicionar o gênero contra a barbárie.

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Divulgação Antonio Fagundes e Grazi Massafera em novela

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