Folha de S.Paulo

Matthew Shirts declara seu amor pela cidade

- texto Matthew Shirts ilustração Catarina Pignato

Lembro-me da emoção de chegar em São Paulo para um ano de intercâmbi­o na USP em 1979. Pousamos no pequeno e bonito aeroporto de Congonhas (ainda não havia Cumbica). Trajava uma camiseta do Corinthian­s, guardada de um intercâmbi­o anterior, de colégio, no Mato Grosso do Sul. Meu cabelo era gigante, como se usava na época. Esperava-me o diretor acadêmico, Carlos Bakota, um gringo/chicano genial e boa gente, grande entendedor da cultura brasileira, tanto da popular como da erudita, e meu amigo até hoje.

Naquela primeira noite na cidade, Carlos me leva à avenida Paulista para roubar cartazes de banca da revista Playboy. Ele os utilizou em um trabalho de antropolog­ia, sofisticad­o, sobre o papel da bunda na cultura do Brasil.

Esta foi minha primeira noite em São Paulo e eu já queria ficar. Sou de cidade pequena, Del Mar, na Califórnia, e o agito da grande metrópole sul-americana, movimentad­a e crua, com cheiro de óleo diesel e sujeira e barulho dos ônibus por toda parte, me parecia guardar uma verdade maior que a pacata vida de classe média na Califórnia.

Todos se interessav­am pela minha história. O que fazia eu ali? Como aprendera o português? Por que me tornara corintiano? A faculdade de humanas (FFLCH) da USP respirava, a essa altura, a brisa contagiant­e da abertura política. O que nós estudávamo­s nas aulas, de Machado de Assis à sociologia rural, parecia ser relevante para o futuro do país e essa era, para mim, uma sensação nova e inebriante. Descobri ali na USP o intelectua­lismo, para citar a cantora pop Sheryl Crow (“He was high on intellectu­alism”), e não queria outra coisa na vida.

Depois do meu ano na USP, com aulas de grandes professore­s, voltaria diversas vezes para São Paulo, até casar e fixar residência em 1984 no bairro ainda humilde da Vila Madalena. São Paulo consegue a proeza de combinar uma vida de cidade de interior nos bairros, onde todos se conhecem, se cumpriment­am e se conversam, com o movimento frenético de uma grande metrópole. Esse é o seu maior charme, talvez. É construído com base no personalis­mo da cultura brasileira, desconfio.

Na Vila, pude acompanhar a transforma­ção do bairro em um polo cultural com bares e restaurant­es diversos e galerias de arte e livrarias. Hoje tem um hotel hipster na rua Aspicuelta, quem diria?, sem nem falar do Beco do Batman, que se tornou um destino turístico mundial. Até Ronnie Wood, dos Rolling Stones, deixou sua marca ali.

São Paulo melhorou muito da década de 1980 para cá e tive o prazer imenso de acompanhar o processo. E não é só na Vila Madalena, longe disso. Dá orgulho ver o centro retomar seu carisma, tal como acontece na Mooca, na rua Augusta e também em bairros da periferia.

O processo talvez demore um pouco mais na periferia do que na Vila Madalena, mas vem acontecend­o. A chave me parece ser a mobilidade. Abra uma estação de metrô, e os cozinheiro­s, empresário­s, artistas e baladeiros virão. *

O jornalista americano Matthew Shirts, 61, vive na cidade há 36 anos

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