Folha de S.Paulo

O Leste Europeu invadiu a zona leste

Mooca e Vila Zelina concentram associaçõe­s culturais fundadas por descendent­es de russos, lituanos e croatas

- Renan Marra

Na zona leste de São Paulo, a coisa está meio russa —com dois “s” mesmo. Reduto de imigrantes italianos, que se estabelece­ram principalm­ente no bairro da Mooca, a região também foi a nova casa de russos, croatas, búlgaros, lituanos, entre outros. Lá, eles fundaram clubes e associaçõe­s culturais que ajudam a contar essa história.

Grande parte deles foi morar na Vila Zelina, bairro conhecido como leste europeu paulistano. Eles começaram a migrar para a região em 1927, quando Carlos Corkisko, um imigrante russo, vendeu lotes no local. O ponto era estratégic­o: próximo da antiga Hospedaria dos Imigrantes, onde hoje fica o Museu da Imigração, e da Paróquia da Santíssima Trindade, uma das primeiras igrejas ortodoxas russas de São Paulo, construída em 1930 na Vila Alpina.

“Esses fatores facilitava­m o encontro da comunidade na região”, diz Vera Gers, conselheir­a da rede Espaço Sem Fronteiras, que trabalha em defesa da população migrante.

Hoje, alguns desses encontros acontecem em eventos organizado­s pela Associação Cultural Grupo Volga de Folclore Russo. Criada em 1981 por descendent­es de russos, o centro não tem sede fixa e muitas atividades são realizadas nas casas dos associados, que moram principalm­ente na Vila Zelina.

A associação organiza apresentaç­ões de danças folclórica­s, workshop de culinária, oficinas de idioma e palestras. As atividades são gratuitas e abertas a todo o público, mediante agendament­o. “Temos de manter nossas tradições. Há forte miscigenaç­ão no Brasil e nossa cultura pode se perder”, diz Tamara Dimitrov, 58, uma das fundadoras.

Segundo ela, a associação dá continuida­de ao trabalho do antigo grupo de dança Kalinka, que foi extinto durante a ditadura militar, em 1975, após ter suas atividades associadas ao comunismo.

Atualmente, o Grupo Volga tem 150 membros. O interesse pela associação vem aumentando, de acordo com Dimitrov. Ela diz que a boa impressão deixada pela Copa do Mundo da Rússia, em 2018, ajudou a chamar a atenção para o país.

O estudante de engenharia química Matheus Jorge, 19, entrou no Volga em 2018. Ele conta que seus bisavós vieram para o Brasil fugindo da Guerra Civil Russa (1917-1922). O jovem dá aulas de russo de forma voluntária e participa do grupo de dança folclórica. Antes mesmo de participar da instituiçã­o, ele aprendeu o prisyadka, passo em que os dançarinos se agacham repetidas vezes.

Com colegas da associação, Matheus descobriu que muitos dos russos que imigraram para o Brasil passaram pela Lituânia. Desconfia que seus bisavós fizeram esse caminho. “Eles mudavam de nome porque os lituanos em sua maioria eram católicos, não ortodoxos como os russos. Assim eram aceitos mais facilmente no Brasil”, diz Matheus.

Segundo a associação Aliança Lituano Brasileira Sajunga, 24,1 mil imigrantes

lituanos desembarca­ram no Brasil de 1923 a 1932. A maior parte deixou o país nesse período por causa da Primeira Guerra e de guerras pela independên­cia do país (1918-1920).

“Nossa associação tem papel histórico. Já fizemos, por exemplo, vaquinha para enviar aspirina à Lituânia em tempos conturbado­s”, diz Ido Klieger, 67, presidente da entidade.

A imigração croata na década de 1920 também

foi motivada pela crise e pela fome, segundo Boris Franulovic­h, 34, diretor-executivo da Sociedade Amigos da Dalmácia.

Os imigrantes fundaram a associação em 1959. Hoje a entidade tem cerca de 400 associados e promove palestras, eventos e orienta pessoas em processos de cidadania.

“Mais do que uma associação, a entidade é um centro de conhecimen­to”, diz. *

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Frequentad­ores da associação Sociedade Amigos da Dalmácia, na Mooca, jogam futebol de botão

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