Um giro pela diversidade religiosa da capital
Diversidade de crenças, cultos e templos transforma a capital paulista em um grande centro ecumênico
Em templos de São Paulo, dá para rezar o pai-nosso em inglês, repetir mantras em japonês, fazer preces em armênio e orar cinco vezes ao dia em árabe.
Só na igreja Nossa Senhora da Paz, na Liberdade (região central), há missas em cinco línguas. O lugar foi fundado na década de 1940 pela ordem italiana dos escalabrinianos, ligada à causa da migração.
Os missionários já estavam no país desde o final do século 19, conta o padre Paolo Parise, 53, que nasceu na Itália e é pároco da igreja desde 2010. A escolha da santa padroeira é uma referência às guerras que trouxeram os italianos para São Paulo.
Até os anos 1970, a principal comunidade que frequentava a igreja ainda era composta por descendentes do país europeu, e as missas eram realizadas em italiano.
A partir da década de 1970, imigrantes da
Coreia do Sul, do Chile e do Vietnã foram absorvidos pela paróquia.
Hoje, segundo Parise, a igreja tem fiéis italianos, filipinos, haitianos, bolivianos, chilenos, paraguaios, peruanos, equatorianos e colombianos —além dos brasileiros.
No mesmo espaço, há três paróquias: a regional, com missas em português, a italiana e a hispânica. Aos domingos, há três missas em português e uma celebração em outro idioma. No primeiro domingo do mês é a vez do italiano; no segundo, do francês; no terceiro, do inglês e, no quarto, do espanhol. As comunidades hispânicas se revezam no comando da celebração.
A ordem dos escalabrinianos mantém também a Missão Paz, com um centro de acolhida para imigrantes de várias religiões.
A mistura de comunidades nem sempre é pacífica. “Houve momentos difíceis, porque as pessoas viam a igreja como sendo delas e depois tinham que dividi-la com pessoas novas”, afirma Parise.
Mas isso não impediu que todos atuassem juntos quando houve a crise de imigração haitiana ao país, de 2014 a 2015, conta. “Foi interessante ver essa abertura no momento da necessidade.”
Segundo o padre, a possibilidade de rezar em seu próprio idioma recupera um vínculo de cada imigrante com seu país. A oportunidade de formar uma comunidade com outras pessoas de mesma origem também atrai os fiéis. “Tem gente que não participava das missas na sua terra natal, mas começou a frequentar aqui”, diz.
Perto dali, no Bom Retiro, a Igreja Apostólica Armênia de São Jorge é ponto de encontro para os descendentes de imigrantes do país. Erguido em 1948, o templo, cinza por fora, pode passar despercebido por quem trafega pela avenida Santos Dumont. É por dentro que a construção impressiona, com cenas bíblicas pintadas no teto, vitrais coloridos e paredes adornadas.
As missas, sempre aos domingos, às 10h30, são rezadas em grabar, a forma clássica do armênio, usada desde o ano 405.
De acordo com a secretária executiva da igreja, Margarit Vratsyan Agopian, 33, que veio da Armênia para o Brasil em 2013, menos da metade dos descendentes armênios dominam a língua do país.
Quem não entende o idioma, porém, também consegue participar da celebração, já que há livros e folhetos com as orações em português disponíveis nos bancos.
A fé em São Jorge leva fiéis de outras religiões ao local, conta Agopian. “Eles ficam surpresos quando descobrem que não é uma igreja católica”, afirma. Os visitantes chegam principalmente no dia do santo, celebrado
Interior da Igreja Apostólica Armênia de São Jorge, no Bom Retiro; à dir., detalhe do teto da igreja, com painéis que retratam cenas bíblicas
em 23 de abril na tradição católica.
De acordo com a secretária, eles são bemvindos, mas não é realizada uma celebração especial para o santo nesse dia. Na religião armênia, o dia de São Jorge é comemorado no último sábado de setembro.
Os brasileiros também são bem-vindos nas celebrações do templo budista Honpa Hongwanji, chamadas de ofícios. O local, que em 2019 completou 60 anos, fica na Chácara Inglesa, zona sul de São Paulo.
Boa parte dos ofícios, porém, não são em português. Como explica o monge superior Mário Kajiwara, 48, a maioria dos frequentadores do local são descendentes de japoneses e ainda há muitos idosos que vieram do país asiático.
Outro motivo para as celebrações serem em japonês vem dos próprios monges: poucos sabem português ou se sentem confortáveis em celebrar na língua. Ele, que é neto de imigrantes e fez sua formação religiosa no Japão, celebra nos dois idiomas.
Segundo Kajiwara, o idioma usado depende também do público do dia. Caso predominem os fiéis japoneses, maioria durante a semana, utiliza-se o idioma oriental. No ofício dos domingos, quando há maiores chances de ter visitantes, há um esforço para se celebrar em português.
Ele explica que a procura dos descendentes de japoneses pelo budismo, principalmente nas gerações mais novas, vem caindo, enquanto a dos não descendentes está aumentando. Por isso, a sua federação, Terra Pura —vertente do budismo que tem 35 templos na América Latina—, tenta hoje formar mais monges brasileiros.
Mostrar a religião aos paulistanos também é o objetivo de um grupo com cerca de 30 senegaleses fiéis do muridismo, vertente do islã. Toda segunda-feira à noite, eles se reúnem na praça da República, no centro, para rezar, dançar e entoar cantos.
As músicas e orações são feitas em árabe e em wolof, idioma que, além do francês, é falado no país africano.
Segundo Ibrahima Seck, 29, o evento às segundas também é uma maneira de unir a própria comunidade senegalesa. “Tem gente que veio de outras cidades para morar em São Paulo por causa desse grupo”, afirma.
Qualquer pessoa é bem-vinda para acompanhar a celebração na praça. Nos outros dias da semana, os senegaleses se reúnem em mesquitas do centro.