Folha de S.Paulo

Toque de Midas

Produtor pernambuca­no de bregafunk JS O Mão de Ouro é o responsáve­l pela batida de quatro das cinco músicas mais tocadas no Spotify do Brasil

- Lucas Brêda

SÃO PAULO

Jonathan Santos é tímido. Talvez por isso tenha parado atrás do computador, e não na frente das câmeras. “Essa aqui eu fiz em duas horas”, diz o produtor pernambuca­no, dando play em “Encaixada”, música dos MCs Troia e Dynho Alves, lançada há exatamente um ano.

Mesmo com os quase 10 milhões de acessos da faixa —um bregafunk já em linha com a produção atual do gênero—, o produtor era só JS na época. Hoje, incorporou a alcunha Mão de Ouro.

Quatro das cinco músicas mais tocadas no Spotify do Brasil têm seu toque. “Tudo Ok”, hit com Thiaguinho MT e Milla, a mais recente delas, desponta como trilha sonora certa deste Carnaval, junto a “Sentadão” e “Surtada”.

Ele ainda assina a produção de outras duas faixas entre as 50 mais tocadas da maior plataforma de streaming, “Hit Contagiant­e”, remix de “Evoluiu”, de Kevin O Chris, e “Pagou de Superada”, do MC Anônimo. Nenhum outro artista está tão presente na lista de mais tocadas quanto o pernambuca­no.

Mas não é só pelo talento dele —este é o verão do bregafunk. O gênero, que vem evoluindo há cerca de dez anos, ganhou projeção nacional com a música “Posição da Rã”, de 2011. Faixa da dupla Metal e Cego, ela foi regravada pelos gigantes Aviões do Forró e inspirou até um concurso nacional de sua coreografi­a no “Programa do Gugu”, na TV Record.

O bregafunk —que surgiu como uma combinação simples de música romântica nordestina e batidas eletrônica­s— ganhou identidade própria ao longo da última década. Nomes como Shevchenko e Elloco e os MCs Troia e Dadá Boladão se tornaram referência até que, em 2018, MC Loma e as Gêmeas Lacração lançaram “Envolvimen­to”.

A música foi um dos hits daquele Carnaval, enquanto uma modalidade urbana de dança, conhecida como o passinho dos maloka, modificava a estética e a geografia do bregafunk. “Onde você passava, em qualquer esquina,eratodomun­dodançando passinho”, diz JS. “A gente lançava a música no YouTube, eles pegavam, faziam o passinho e botavam no Instagram.”

Foi por volta de três anos atrás que o passinho se estabelece­u, com jovens da periferia do Recife promovendo encontros para dançar em espaços públicos como o Marco Zero, no centro da cidade —no ano passado, todo esse movimento foi celebrado, aliás, na obra dos artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca no pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza.

“Não conhecia ninguém do passinho, mas sabia da sequência das batidas, para fazer do jeito que eles gostam”, diz JS. “E aí você vai modificand­o, para eles fazerem novas danças.”

O bregafunk atual, ligado à coreografi­a, é formado por batidas mais secas e a marcação chamada de “lata” —mais aguda e estridente. No caso de JS, a sonoridade que virou sua marca registrada vem da panela de sua avó, a aposentada Maria.

“Eu ouvia a galera lançando uma parada repetitiva. Queria fazer algo diferente”, diz. “Peguei a panela da minha vó, comecei a bater na frente de um microfone, gravei e foi isso que virou a panela do bregafunk.”

Ele então insere efeitos e muda eletronica­mente o tom da batida de “lata” para casar com cada música. A busca por soar diferente já o fez usar latidos, áudios de WhatsApp e o que ele chama de “ponto de voz” —gravações em que ele mesmo imita tambores ou outros sons, como um beatbox melódico.

A primeira faixa com o beat de panela foi “Disso que Elas Gostam”, parceria com o MC Vitinho Polêmico do fim de 2018. Na época, JS ainda gravava em seu segundo estúdio caseiro, um pouco mais equipado que o do começo da carreira.

Ele já se movimentav­a para ser produtor desde a adolescênc­ia. Quando tinha ainda seu primeiro computador, o levava para a escola e, na hora do intervalo, brincava de DJ.

Em casa, já gravava com baixíssimo orçamento, incluindo microfones e caixinhas de som comuns de computador­es dos anos2000.“Euquefizam­esade madeira. Peguei umas ripas do guarda-roupa e montei.”

Suas influência­s, além do brega, são o reggaeton, o trap e o funk. Na infância, ele lembra, ouvia lambada e guaracha, um gênero de música popular cubana, com o pai.

Há cerca de três anos, antes de ter contato com MCs mais estabeleci­dos no bregafunk do Recife, ele já ganhava vendendo bases e batidas para nomes menos conhecidos, como Mc Keko e Nino.

“Não era muita coisa, mas já dava para ajudar em casa.”

Com o som da panela, ele estourou mesmo em “Hit Contagiant­e”, parceria com Felipe Original, que saiu em abril do ano passado e ainda hoje está entre as mais tocadas do Spotify. Esse certo atraso no sucesso também tem a ver com a própria lentidão no intercâmbi­o do bregafunk, febre no Nordeste muito antes de chegar a São Paulo e ao Rio de Janeiro.

“Hit Contagiant­e” destaca uma das principais caracterís­ticas do gênero pernambuca­no —o remix. Para fazer a faixa, JS pegou um trecho de voz de “Evoluiu”, hit do funkeiro carioca Kevin O Chris, acrescento­u a batida do bregafunk e os versos de Felipe Original.

“Peguei da música original mesmo”, ele diz, contando que não teve autorizaçã­o prévia do autor para usar o trecho. “Depois que a música estourou foi que a gente teve um contato. Até porque é muito difícil conseguir contato com esses artistas de nome. Depois que ele viu que a música foi repercutin­do, veio falar comigo.”

A faixa também mostra a conexão do bregafunk com o funk carioca atual, a começar pela andamento acelerado. “Posição de Rã”, produzida pelo veterano Dany Bala, já foi feita em 150 BPM (batidas por minuto) em 2011. O funk carioca, historicam­ente feito em 130 BPM, só ficou tão veloz há alguns anos, e hoje em dia qualquer música de bregafunk gira em torno de 160 e 170 BPM.

Além disso, há a influência do arrochafun­k, uma variação mais arrastada do gênero. Ela já estava presente em músicas dos DJs do Rio, especialme­nte Iasmin Turbininha, estrela do YouTube, mas acabou ofuscada pelo sucesso do 150 BPM.

Além de “Hit Contagiant­e”, JS já remixou outros sucessos do funk do Rio, sendo o mais recente deles “Tô Voltando Alto”, do MC Poze do Rodo.

Parte do sucesso do bregafunk, aliás, tem a ver com criar essas versões mais dançantes e criativas de músicas que já existem. É como um meio termo entre a produção com samples —marca do hip-hop desde os anos 1980— e a feitura de remixes em EDM (electronic dance music), que pipocavam nas rádios nos anos 2000.

JS já fez músicas baseadas em trechos de hits de Sean Kingston e J Balvin, e até de sertanejos como Luan Santana (“Quando a Bad Bater”). Há pouco, foi convidado pela Warner para fazer um remix de “Dance Monkey”, faixa estourada nas rádios, da australian­a Tones and I. Pabllo Vittar foi outra que pediu a JS um remix, para “Amor de Que”.

Hoje, JS é um dos contratado­s da produtora paulista de funk Los Pantchos, que tem um estúdio moderno e equipado na zona sul de São Paulo. Aos 23 anos, ele já se mudou para a capital, tamanha a demanda por batidas e remixes.

Seu rosto pode não ser tão conhecido quanto as batidas, mas isso faz parte de sua personalid­ade. É na solidão do estúdio que ele vira o mão de ouro.

“Como sou tímido —e era ainda mais—, cantar tipo um MC seria muito mais difícil. Eu passo o dia todo no estúdio. Não tem hora para largar, não. É só ali, metendo bronca.”

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Bruno Santos/ Folhapress O produtor pernambuca­no de bregafunk JS O Mão de Ouro

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